NAAAAUUUUMMM

Para nossa turma de adolescentes na metade da década de 90, a virgindade era quase como uma maldição que carregávamos. Um fado, comparável ao que o personagem de Lon Chaney carregava no filme "O Lobisomem". Era um período em que os hormônios estavam em ebulição, mas as oportunidades simplesmente não surgiam ou, se apareciam não eram aproveitadas por nós.

Teve uma vez que um grande amigo (vou preservar o nome das pessoas), de apelido Piolho (tá, não tô revelando nada, amigão) comentou que todo dia conversava com a Lenise, irmã de uma garota que eu gostava, quando pegava o ônibus até o Isaías. Num desses diálogos, ele falou sobre uma cachoeira que a nossa turma costuma frequentar, lããããã adiante uns 05 quilômetros dos trilhos atrás da Brita Norte. Que era um lugar muito bonito, onde costumávamos nos refrescar nos dias quentes.

Ao comentar isso, tenho certeza, meu amigo não tinha segundas intenções, a não ser ter assunto para engatar com aquela loirinha (sim, ela era uma loirinha linda e que, segundo a lenda, seria capaz de nos libertar daquela maldição que comentei no início do texto).

E quando ele imaginaria que ela iria se interessar ao ponto de dizer que gostaria de conhecer a cachoeira? Ela quis. E acho que ainda disse até a cor do biquíni que iria usar para tomar banho.

Quando ele me contou sobre o ocorrido, solidário e parceiro dele, não poderia dar outro conselho que não fosse:

- Leva ela. E come.

E o Piolho estava convicto. Levaria a Lenise até a nossa cachoeira, lá onde existem até esquilos pulando pelas árvores próximas, e onde passávamos as tardes, alimentados por bolachinhas d'água e garrafas de refri Celina. Numa tarde, eu estava em casa lendo minhas revistas em quadrinhos quando, pam-pam-pam, batem na porta. Abri. Era a Lenise o Piolho.

-Oooooiiiieeee!!! Vamos na cachoeiraaaa???

Ela me disse com aquele sorriso maroto. Olhei para ela. E olhei para o Piolho, a fim de estabelecer uma conexão telepática, do tipo "O QUE TU TÁ FAZENDO AQUI, RAPÁÁÁÁÁÁ???"

Mas, tudo bem. Pensei melhor e refleti "que baita amigo esse. Quer dividir o bilhete da Mega-Sena. Vamulá, então". E fomos. A Lenise era faceirinha com o nosso passeio e conversava alto e ria. E lá ia ela, uma guria, junto de outros dois guris, para o meio do mato. Para a sanga.

Aproveitando alguns instantes de distração dela, o Piolho e eu trocamos algumas informações básicas do tipo.

- Tu ou eu? Quem vai tentear primeiro? E se ela quiser os dois? Dêmo jeito. Tá prá nós. Vamo que vamo. É isso aí, têmo combinado.

Fora uma ou duas palavras, meu amigo e eu nos comunicámos mais por telapatia mesmo (com o olhar, melhor dizendo) para não constranger a Lenise. Assim nós, dois lobos, vestíamos nossas peles de cordeiro e conversávamos delicadamente com a loirinha, que parecia demonstrar não imaginar que estávamos loucos para aplicar a lei da clava nela.

E chegamos até a picada que dá acesso à cachoeira. Descemos o mato fechado que, num repente, abre as portas de um paraíso ecológico. E lá tiramos nossas roupas, ficando de calções. A Lenise- uau- de biquíni azul, que contrastava com sua pele branca.

Com olhares, o Piolho e eu começamos a arquitetar o nosso plano maligno. Um de nós se retiraria para outro lugar, enquanto o outro ficaria sozinho com a Lenise, para facilitar o lance, entende?

Um e outro hesitamos em ir. Talvez porque cada qual quisesse ser o primeiro ou porque cada qual não quisesse ser o primeiro. Gentilmente, o meu amigo se retirou. A essa altura, meu coração deu umas aceleradas. "Agora é comigo", pensei.

E a Lenise e eu brincámos na água, nos abraçámos e etc e tal. Foi quando me acheguei mais perto dela e insinuei qualquer coisa. Ela disse:

- Naaauuum....

Foi o "nauuum" mais manhoso que eu tinha ouvido. Mesmo assim, me deixou com uma puta vergonha. Cheguei mais perto dela e lhe beijei nos lábios, ao mesmo tempo em que deslizava minhas mãos por suas costas até chegar em seu biquini. E ela:

- Naummm...

Tá bem, então. Entendi o recado. Se era não, era não. Não iria forçar nada com a guria. Já que minhas chances tinham broxado, era a vez do Piolho, então. Me afastei dando um mergulho e assoviei para chamar o meu amigo que reapareceu. E, não tenho certeza, ele comentou qualquer coisa sobre ouvir barulhos adiante. Eu fiz uma cara de intrigado.

- Barulho? Onde? Deixa eu ir lá ver. Fica aí com a Lenise.

E me fui, deixando os dois sozinhos. E lá no meio do mato, fiquei torcendo que meu amigo fosse mais de sorte que eu. Um tempo depois, retornei junto deles, que estavam tomando banho e conversando. E ficamos por ali mais um tempo, até que fomos embora. Num instante de distração da Lenise, perguntei a ele.

- E aí, como é que foi?

- Não foi. Ela disse "nauuuum".

E a partir daquele dia, eu e meu amigo (um grande amigo) fizemos um pacto: se ouvíssemos qualquer pessoa falar alguma coisa contra a honra da Lenise, de que ela era atiradinha ou algo assim, iríamos defendê-la com unhas e dentes. Até hoje, quando a gente se lembra desse episódio, a gente diz o seguinte.

- A Lenise é uma santa!

Mas a verdade é que nós dois é que éramos uns bocós. Éramos muito bons para ler revistas em quadrinhos, mas não sabíamos ler as sutilezas, as entrelinhas, de algumas garotas. Pois, quando imaginaríamos que ao dizer "nauuuuum", a Lenise estava apenas se fazendo de difícil e que estava dizendo, na verdade, "siiiiimmm"??? Ou isso, realmente a Lenise era uma santa!!!

Que vergonha de nossas segundas intenções.

Márcio Brasil
Enviado por Márcio Brasil em 26/08/2009
Código do texto: T1775398
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