Abedula – O Olho Gordo

*Da série ABEDULA

** Leia as outras histórias do árabe

Abedula estava feliz – na verdade em êxtase – porque as vendas de natal superavam todas suas expectativas e a “freguesia” havia literalmente provocado uma limpa no estoque da Loja . Para sua surpresa, nem mesmo a tradicional liquidação de final de temporada se faria necessária, ao contrário teria de fazer algumas reposições para manter “surtido” o estoque nos últimos meses do verão .

Como nas primeiras décadas do século XX não existiam muitas fábricas de roupas era necessário viajar para grandes centros a fim de realizar as compras e Abedula já estava pensando na hipótese de montar uma pequena confecção de modo a garantir uma produção própria , sobretudo porque existia muita mão de obra barata . Costureiras e alfaiates eram profissões comuns na fronteira, onde eram mais conhecidos como “modistas” ou “sastres”, por inspiração da língua espanhola.

Abedula rumou para São Paulo, onde além de um estoque de confecções prontas adquiriu diversas bobinas de tecidos nobres, inclusive alpaca e tergal , forros, botões e carretéis de linha, e tudo o que entendia necessário para estabelecer sua própria linha de produção se tornou mais robusto quando lhe anunciaram uma firma que representava modernas máquinas de costura, com motor elétrico. Era muito mais do que um sonho.

De volta a Uruguaiana , Abedula transformou uma parte de seu depósito na pequena fábrica de confecções , que mal dava vencimento , tanta era a procura dos clientes pelas peças produzidas ali mesmo, muitas delas imitando roupas que eram fabricadas no eixo Rio-São Paulo,mas um custo infinitamente menor.

Como o sucesso do empreendimento era notório surgiram logo boatos de que alguns empresários concorrentes de Abedula estavam interessados em imita-lo o que não tardou muito tempo para chegar aos ouvidos do árabe , que dizem não dormiu várias noites pensando no risco de ver ruir seu investimento e “roubada” sua ideia.

Mas por obra do destino, Abedula recebeu a visita de Mustafá, um patrício seu que operava com diversos negócios na fronteira do Brasil com o Paraguai,em Foz do Iguaçu e que sempre parava em Uruguaiana quando de suas viagens para Buenos Aires, onde além de parentes também possuía contas bancárias destinadas à sonegação e remessa de ilegal de dinheiro para o Oriente Médio.

Abedula confidenciou a seu patrício toda a angústia diante do “olho gordo” de seus concorrentes, contudo , jamais imaginou a resposta que ouviria de Mustafá , que a bem da verdade era muito mais vivido e audaz que seu anfitrião. Com perplexidade ouviu de seu visitante : - “ Mas batrício isto não é broblema , é obortunidade bra ganhar dinheiro...”

Abedula, sem entender o raciocínio de Mustafá foi limitando-se a escutar os conselhos. –“Esbalha bor toda região que está ganhando muito dinheiro e que não dá conta de atender sozinho e além de vender as máquinas tuas , vai a São Baulo e traz mais máquinas – debois só vende brodutos” . Já interessado e atento à conversa, Abedula serviu um licor de gengibre e deu toda atenção à fala de Mustafá . – “Em bouco tempo as custos da brodução seram menores bra você, borque mais gente concorrendo e você gasta menos que o salário dos embregados”

E foi assim que Abedula acrescentou algumas cifras em sua conta bancária, pois além de vender suas máquinas para os ambiciosos concorrentes, minou toda a região da fronteira com modernas máquinas de costura . Dizem que de Alegrete a São Borja foram dezenas de máquinas distribuídas por Abedula, que além do lucro da venda das máquinas criou uma freguesia fiel para os tecidos, forros e botões que trazia de São Paulo. Mustafá, ganhou um lugar cativo na casa e no coração de Abedula .