Telefonema

O telefone toca no meio da madrugada. Alto. Estridente.

Um toque o qual, como quem prenuncia a má notícia que está por vir. Dona Dolores acorda num susto, num arranque que sacode a coberta, que cobria confortavelmente Agenor, companheiro com quem divide o calor e a forma emprestados pelo aconchego daquele momento por muitos anos.

- Alô! - Atende ansiosamente o telefone

Quem poderia ser?

Normalmente estes telefonemas em meio á madrugadas nunca são boas notícias. Quem ligaria uma hora dessas para dar uma boa notícia? Boas notícias não acontecem na escuridão da noite. A esta hora as boas notícias estão descansando, em algum leve e belo sono. Imagine só, se alguém liga três horas da manhã pra dizer: “Oi mãe, vou me casar!”, ou “Consegui um emprego!”. Que tipo de casamento poderia ser decidido as três da manha? Quanto ao emprego... enfim: definitivamente tratava-se, aquele telefonema, em particular, de uma má notícia e o coração de Dolores já tremia.

Seu Agenor não. Muito mais prático menos temperamental, só resmunga. Ninguém gosta de ter a coberta roubada no meio da noite, por qualquer motivo que seja.

- O que foi mulher? - Pergunta sem ao menos desejar a resposta. Uma pergunta que muito mais quer dizer: “Devolve a coberta, por favor, que este pobre homem tem que trabalhar amanhã”. Mas ele não diria uma frase tão longa em meio a tanta preguiça e o velho homem repete, em um tom um pouco mais irritado:

- Mulher! O que foi?

Vira-se para o outro lado e decide continuar o sono sem coberta mesmo.

Dolores, não responde. Fica estática, aflita. Um frio descia da sua nuca até as pontas dos pés, não um arrepio bom, mas algo ruim. Com quem que esvazia as forças e antes de mesmo de anúncio da novidade indesejada que estaria por vir, os efeitos colaterais já se espalham por todo o seu sistema nervoso. É incrível como mãe sabe de tudo. Não se sabe até hoje como, mas, estas criaturas têm o poder de antecipar acontecimentos, como premunições, principalmente, acontecimentos ruins. Dolores não se engana e repete, com uma mistura de medo e ansiedade do que a outra voz, do outro lado da linha, possa vir a dizer, do que trazia com ela, este vento com cheiro de má notícia.

- Alô! – Diz em um tom trêmulo, com a voz bem baixa, quase sussurrando. A reposta não é instantânea.

Suas vistas quase se escurecem. Deseja por um instante que tudo não passe de um sonho ruim. Retorna a si com a resposta vindo do misterioso telefone. “Alô!”. Espanto! Dolores, não sabia muito bem o que pensar. Não esperava aquela voz. Os segundos se metamorfoseavam em séculos, em eternidades. Em sua cabeça esperava uma voz, angustiada, familiar. Algum filho que bebeu demais e foi parar na delegacia, ou um neto com alguma dor de barriga insuportável, não uma voz, tão fria, séria e completamente desconhecida. Eis que a tal voz continua seu discurso:

- Desculpa incomodar...

Pelo menos era educado, era uma voz masculina, muito rouca e objetiva. Sim! Ela o desculparia sim, apesar do horário. Mas não se pronunciou, ansiosa, quieta, seus olhos saltavam de nervosismo. Quem poderia ser? E a voz continua.

- É da residência de Dolores Silva Albuquerque?

Sabia o seu nome. Mas não reconhecia ainda a voz. Certamente não trazia mesmo boas notícias, mas o que será que teria acontecido. Ela estava catatônica. Responde um tranqüilo “sim”. Como se pudesse esconder tamanho nervosismo em sua voz. Aguarda pacientemente as próximas instruções. Seria um seqüestrador desejando resgate? Não, ela estaria exagerando. Coloca a mão na nuca como quem diz: “Acalme-se não é nada disso, não é nada demais”. Mas um telefonema àquele horário! Ela continua, com muito receio. Está no ápice do seu nervosismo. Não sabe se deve, porém se atreve: “Sou eu”. O homem continua.

- Aqui é do hospital Tereza Cruz. Eu sou o Dr Trovane...

Nesse instante ela escapa um soluço, que irrompe já em meio a lágrimas. Seu corpo treme todo e deseja mais que tudo que nada daquilo estivesse acontecendo, que tudo não passasse mesmo de um sonho ruim, ou de alguma brincadeira de mau gosto, de extremo mau gosto, diga-se de passagem. Agenor olha pra Dolores, agora com um ar de preocupação e começa a se perguntar o que estaria acontecendo. Que misterioso telefonema poderia ser aquele. Estende sua mão e agarra a mão da esposa, num ato de companheirismo, como quem diz que estaria ao lado dela e a apoiaria caso necessário. Dr Trovane continua.

- Por favor, eu preciso que a senhora se acalme. Eu tenho algo muito importante pra lhe dizer...

Nesse momento ela lembra de todos os filhos, netos e agregados. Pede em oração para que todos estejam bem. Deseja sinceramente, e o faz mil vezes num ápice de instante, que aquela situação não estivesse acontecendo.

Contudo, a vida se apresentava ao mundo novamente em sua impresivibilidade, bela e extremamente dolorosa. A roda-viva, incontrolável.

- Sua filha está internada no Hospital... acaba de ter seu filho... a senhora mais uma vez é avó... - as frases lhe chegavam intercaladas.

Premiava-lhe com um novo neto. Emprestava-lhe a maior emoção que se pode sentir, duas novas vidas aconteciam naquele instante, a da criança e agora a sua, em função do novo netinho... No fundo, no fundo, ela já sabia.

Antes de adormecer em um uníssimo abraço com seu querido esposo, revela com o coração úmido de pequenas lágrimas que começavam a despertar, que o sonho que tivera ainda aquela noite acabara de se realizar, e sua filha que já esperava trazer seu neto por aqueles dias, não lhe fazia mais esperar.

Agenor concorda através de um beijo que já dura mais de cinqüenta anos de casamento, conhecia bem Dona Dolores...

Gregório Borges

Gregório Borges
Enviado por Gregório Borges em 22/08/2009
Reeditado em 23/08/2009
Código do texto: T1768189
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