A CARTA DE FORRO FALSO...

“Meu bem,

Creio que estranharás a escrita correta e a letra bonita presentes nesta carta. Por isso lhe advirto, antes de qualquer coisa, que não se trata de um possível (e sei que existem vários) admirador secreto; pelo contrário, meu amor por ti nunca foi segredo e, talvez, tenha sido exatamente este o principal motivo pelo qual tivemos nossos problemas. Creia, meu bem, que o remetente desta é realmente quem pensas ser, e, quem sabe (tenho fé nisto!) quem desejas que seja.

Contei nossa história, meu bem, ao dono de uma casa na qual estou trabalhando, homem sensível e romântico, que, comovido, especialmente com o fato de que não sei ler nem escrever, ofereceu-se em passar para o papel o que vou lhe ditando, consertando, naturalmente, minha linguagem simples de homem humilde que sou.

Esclarecidos os quais e os poréns, meu bem, vamos aos fatos: saiba que esta cabeça não-alfabetizada não possui a inteligência que a tua tem; este corpo de pedreiro, forjado para o trabalho duro, não apresenta o teu requinte e elegância; mas este coração humilde contém muito amor, e este amor foi, é e sempre será, teu (foi o patrão quem me ensinou todas estas palavras bonitas!). No início, devo admitir, acreditei que a diferença de classes sociais (eu, pobre; tu, rica) jamais seria transpassada, e este contraste sempre seria um “elefante cor-de-rosa” (essa expressão é minha mesmo, gostasses?) dormindo em nosso quarto. Eu, por isso, relutei; por isso, jurei que não te amava. Mentira deslavada: só não queria mesmo era te fazer sofrer. Mas hoje, meu bem, depois de muitas andanças por este mundo, penso diferente; sei que somos quem somos e havemos de ter coragem para encarar as dificuldades da vida, de frente, sem hesitar. E agora acredito que nem sempre a pobreza é superestimada; sei e tenho fé que um homem simples como eu, posso sim ter o amor de uma bela mulher. Por que não, meu bem!? Não é disso que se nutre o coração!? de amor puro e simples, independentemente de futilidades como cor, raça ou classe social!?

Confie, meu bem, confie neste já referido “meu amor”, que é dele que vamos viver. Trabalharei incansavelmente, para dar-te o que mereces, mesmo sabendo que o que mereces é nada menos que o céu e a lua. E teremos nossos filhos, pois sim, aceito-os e desejo-os, muitos que sejam, desde que sejam TEUS.

Sei muito bem que a tua família não gosta de mim, que a tua mãe despreza-me, que teu pai pensa que não passei (e não passo) de um “caso”, oriundo de uma fase rebelde durante a qual querias apenas confrontá-los; mas provaremos que não! Provaremos que o amor derruba as barreiras do preconceito e da desconfiança, e gera uma vida plena e feliz àqueles que o aceitarem, felicidade esta mil vezes mais sincera, e mais bela, e mais pura do que qualquer quantia em dinheiro disponível neste mundo poderia oferecer.

Provaremos que mesmo um sujeito pobre e simples, meu bem, pode ser feliz...

(Mostrei agora tua foto ao patrão que escreve; surpreendeu-se! Não imaginou que se tratasse de “uma mulher realmente tão linda e de tanta classe!”, segundo suas próprias palavras. Ainda estampa hilariamente a cara de espanto, e fez-me, inclusive, várias perguntas sobre ti, demonstrando muito interesse. Como se importa com as pessoas este homem! É um santo, agora eu vejo! Ri-me muito e percebi novamente a sorte por seres minha, e apenas minha.).

Depois de tudo isso, meu amor, quero dizer-te apenas uma frase, e exijo que a aceites, pelo teu próprio bem: esqueça-me!

Afinal, sejamos francos, o quê uma mulher maravilhosa como tu farias com um reles pedreiro, ignorante e imbecil, como eu? Pense! Não; faça apenas o que lhe digo: este meu patrão que escreve esta carta é, de fato, um homem bonito e requintado (e com muito dinheiro!) que pode dar-te tudo aquilo que mereces (muito, muito dinheiro!). É inteligente, charmoso, culto... um homem perfeito. Esteja aberta a ele, encontrem-se; e mesmo que ele pareça, a princípio, meio tímido e desconcertado, releves, pois um homem assim não se encontra tão facilmente. Fique com ele, meu amor, pois te achou deslumbrante. Assim, mando atrás da folha o número do telefone dele, para que ligues, conheçam-se, e sejam felizes. Se confias em mim, meu amor, faça como te digo, fique com este maravilhoso rapaz e NUNCA mais volte a me procurar.

Repito: Esqueça-me...

...Mas não esqueça de Roberto (este é seu nome: Roberto, o Bom-Partido!).

Sinceramente,

Francisco Ferreira da Silva”

Com um meio-sorriso estampado no rosto, Roberto quase furou o papel, tamanha foi a força com que pintou as letras finais. Do conforto de sua cadeira, ergueu os olhos para o jovem pedreiro, que, do alto de seus 1,91metros, fazia-lhe sombra parado de pé à sua frente. Este, com um sorriso inteiro nos lábios, lhe observava cheio de expectativas com o gorro surrado nas mãos em sinal de respeito ao escritório do patrão.

- Ficou dez, Chico! Com esta carta tu arrebatas, com certeza! Mas vale avisar: Não procura ela, deixa que ela venha até ti. Eu conheço esse tipo de mulher, e elas não gostam que tu fiques correndo atrás delas.

O pedreiro concordou balançando a cabeça com força, querendo agradar ao homem que estava lhe sendo tão bom, e ainda sorrindo, com os olhos brilhando diante das possibilidades com a amada, respondeu:

- Pódexa, Seu Roberto! O senhor mandou aí na carta ela se encontrar comigo sábado de noite, lá na praça, como lhe pedi?

- Claro, Chico; mandei sim...

- E disse pra ela levar as roupas pra gente fugir?

- Claro, Chico, deixei isso bem claro...

O pedreiro encarou fixamente Roberto por um instante, piscou, e quando os olhos tornaram-se a abrir, fizeram-no encharcados; o homenzarrão chorava de emoção. Pediu desculpas, justificou que ficara com um pouco de areia nos olhos, por isso lacrimejava, mas logo desmentiu-se:

- O senhor não sabe o tanto que isso importa pra mim. Vou lhe ser grato pra sempre, porque amo demais essa mulher. Nós penamo tanto, mas tanto, pra ficar junto, e acho que agora vai!

- Imagino, Chico, imagino... – Roberto segurou tanto o riso que este explodiu-lhe de súbito, pelo nariz, numa semi-gargalhada; controlou-se e desculpou-se, dizendo ao funcionário que lembrara-se de uma ótima anedota. – Mas volta pro trabalho, que tu ainda tens muito pra fazer, Chico.

Nem foi preciso pedir outra vez; já o pedreiro agradeceu novamente muito ao chefe, derramou mais uma ou duas lágrimas e foi saindo, transbordando felicidade. Parou na porta, entretanto:

- Viu, Seu Roberto? Um homem simples também pode vencer nesse mundão!

E o patrão:

- Claro que pode, Chico; claro que pode...

E só esperou o outro sair pra escancarar, de vez, as gargalhadas.

Felipe Bilharva
Enviado por Felipe Bilharva em 21/08/2009
Reeditado em 20/12/2009
Código do texto: T1766965