Quero perder a virgindade
Lúcia estava sentada à mesa, na sala de coordenação do primário, quando apareceu à porta uma de suas alunas do segundo ano Científico.
- Professora posso falar contigo?
- Esteja à vontade!
- Posso fechar a porta?
- Claro!
Lúcia guardou na gaveta o documento que estava analisando e colocou-se à disposição.
O primário funcionava à tarde e o Científico de manhã. Mais cedo, Rita, aluna de uma das cinco turmas do segundo ano Científico, parecera-lhe inquieta durante a aula de português. Lúcia, sempre atenta e cuidadosa com seus alunos, ao final da aula, que era a última daquele período, quis saber se ela estava com algum problema.
- Tomei uma decisão e estou preocupada com alguns detalhes. Bem que tu poderias me ajudar.
Dentre todos os seus alunos, Rita era a única que a tratava em segunda pessoa. Era determinada e bastante independente para sua pouca idade.
- É algo relacionado aos estudos?
- Não, é assunto particular meu. Já está tudo decidido. Só queria que me desses uma opinião a respeito de um detalhe.
- Agora não vai ser possível, porque tenho pouco tempo para almoçar. Já são doze horas e eu preciso estar de volta às doze e quarenta e cinco. As aulas do primário começam às treze horas e não posso chegar após os professores.
- Posso vir aqui à tarde?
- Pode, mas depois do recreio. Hoje tenho muito que fazer. Preciso terminar os projetos dos cursos de dança e teatro.
- Venho para as aulas de Análises Clínicas e te procuro.
Separaram-se. Lúcia desceu as escadas, colocou o material escolar na sala dos professores e ia em direção ao carro quando a diretora a convidou para almoçar com ela, no colégio. Ela sabia das dificuldades do trânsito, àquela hora, para ir e voltar ao bairro onde Lúcia morava. Frequentemente almoçavam juntas e aproveitarem para trocar idéias sobre o andamento das atividades do colégio.
Logo após o recreio, Rita entrava em sua sala.
- Qual o problema que a está preocupando?
- Não é bem um problema. Como tu és uma pessoa experiente, acho que podes me dizer o que fazer... é... que...
Rita segurou o que ia dizer, como se estivesse arrependida de estar ali. Lúcia ficou observando aquela mocinha sempre tão decidida, ali à sua frente, titubeante, sem saber se falava ou não com sua professora. De repente, ela falou sem pestanejar:
- Acho a virgindade uma droga, e quero me livrar dela.
Lúcia assustou-se com tal declaração. Fora educada com uma visão bem conservadora sobre o assunto. Tinha um marido ciumento que reforçara a tese da submissão da mulher às regras morais. E agora, uma mocinha de dezesseis ou dezessete anos ali, falando em livrar-se da virgindade como se fosse algo que se pudesse pegar e jogar no lixo, na hora que bem entendesse.
- Mas como pretende fazer isso?
- Conheci um homem de cinqüenta anos que está disposto a me ajudar.
- E você trata desse assunto, assim, como se fosse uma brincadeira, um jogo que se arranje alguém para bater bola?
- Eu encaro assim. O sexo é um jogo. Quero me livrar da virgindade porque meus amigos ficam preocupados de assumir compromisso. Só queria te perguntar se a primeira vez dói muito e o que poderia ser feito para que isso não acontecesse.
- Você já falou com sua mãe sobre este assunto?
- Ela não iria entender, por isso te procurei.
- Mas eu também não estou entendendo!
- Achei que tu não eras tão quadrada quanto minha mãe. Tu me pareces tão espontânea quando abordas os textos naturalistas de Adolfo Caminha, Aluísio Azevedo e outros... E depois, eu e minha mãe não temos muita afinidade no que diz respeito a esse assunto.
- Tenho um filho da sua idade e uma filha com um ano menos que vocês. Não gostaria de que acontecesse uma coisa desse tipo com ela. Conversamos sobre todos os assuntos juntos. Meus filhos sabem que terão de assumir as conseqüências de qualquer ato que praticarem, inclusive com relação ao sexo. Hoje é muito comum mocinhas engravidarem e deixarem aos pais a responsabilidade de criar seus filhos. Lá em casa, se isso acontecer, seja com o rapaz ou com a menina, eles terão de assumir a responsabilidade. Já dou um duro danado para educá-los, sozinha. Como todos vocês sabem, meu marido teve um derrame há seis anos e vive sobre uma cama, à mercê dos cuidados dos outros.
- Lúcia não quero conselhos, só quero que me digas como foi a tua primeira vez e se é verdade que dói muito. Pensei em usar xilocaína, para não sentir dor.
- Rita, a primeira vez de qualquer mulher, na minha época se dizia a primeira noite, pois a moça para casar de branco, tinha de ser virgem, pode ser a coisa mais sublime, se for à hora certa, com a pessoa certa. O amor é a única justificativa para o ato sexual. Eu não concordo com o sexo pelo sexo.
- Falas igual à minha mãe, e ela é bem mais velha do que tu. Quantos anos tu tens?
- Trinta e cinco.
- E o teu filho?
- Dezessete.
- Está vendo? Deves ter engravidado com a minha idade. Por isso deves entender melhor a minha situação do que a minha mãe, que tem idade para ser a tua mãe.
Eu engravidei do homem que escolhi e estávamos apaixonados. Embora pareça que a mulher evoluiu muito, essa questão do sexo continua criando muitos problemas. Às vezes, mesmo a mulher que foi casada e ficou viúva ou separou do marido enfrenta sérios problemas de discriminação.
- Hoje em dia, as coisas são bem diferentes. Quero me livrar disso para ficar mais à vontade com a minha turma. Acho que sou a única que nunca transou.
- Não são tão diferentes assim. Ainda hoje, se a mulher é viúva ou separada, suas amigas estarão sempre preocupadas com os maridos delas. Automaticamente, afastam-se. O mesmo acontecerá se você for uma pessoa liberada, sem escrúpulos, sem limites. Acaba ficando isolada.
- E tu achas isso normal? Só as pessoas muito quadradas ainda pensam dessa maneira.
- Tudo bem, respeito a sua opinião, mas tenha paciência, espere encontrar um carinha legal, que goste de você e você dele, que os dois tenham objetivos em comum e tudo poderá ser maravilhoso. O primeiro momento íntimo entre duas pessoas que se amam poderá ser apenas o início de uma vida cheia de alegrias. De uma vida normal, sem traumas, sem arrependimentos. Mesmo que um dia o amor se esgote, terá sido um ato normal de pessoas normais e deixará boas recordações para o futuro.
- Tu me desculpas, vou embora. Vou pensar no que tu me disseste, mas não prometo fazer as coisas pela tua ótica.
- Antes, me diga uma coisa! Esse homem de cinqüenta anos, que se propôs a colaborar com você é uma pessoa conhecida?
- Eu o conheci já há algum tempo. É uma pessoa cheia de conflitos. Cheia de problemas existenciais. Mas diz que gosta de mim.
- Tome cuidado, seja prudente. Ao tomar essa atitude de perder com ele a sua virgindade física, poderá perder a sua integridade psicológica e a chance de sentir a beleza de um verdadeiro relacionamento entre homem e mulher.
Rita levantou-se e saiu meio constrangida. Não imaginou que a sua professora fosse lhe falar daquela maneira. Era claro que não ia se expor contando como fora sua primeira noite para uma aluna tão jovem.
Na aula de português, na manhã seguinte, Rita não encarou a professora. Limitou-se a anotar os exercícios e saiu apressada quando tocou o sinal. Lúcia ficou imaginando coisas: “Será que essa menina já praticou a insanidade a que estava se propondo? Como é que a mãe não percebia o que estava acontecendo? Ou será que sabia e não quis interferir?”
O ano letivo terminou. Rita passou para o terceiro ano. Nunca mais Lúcia soube o que, de verdade, aconteceu. Alguns anos depois, Rita foi ao Rio de Janeiro fazer o curso de Direito, mas não se adaptou à cidade Maravilhosa e retornou à sua terra natal. Fez novo vestibular e cursou outra faculdade. Mais tarde, fez letras. Um dia, apareceu em casa de Lúcia, pedindo orientação, pois ia fazer um concurso e tinha dúvidas sobre redação. Não tocaram no assunto naquela tarde. Catorze anos depois encontraram-se mais uma vez.
Lúcia sabe apenas que Rita nunca se casou.