os velhos novos tempos
Um mestre aprendera desde cedo a cultivar a paciência para exercitar o ato que mais gostava: o da contemplação. Nada mais lhe parecia tão edificante quanto o aprendizado que conseguia apenas vendo e ouvindo. Todos na cidade o admiravam, e vez por outra vinham lhe pedir conselhos sobre os problemas que lhes atormentavam a alma.
Com o passar do tempo as pessoas pararam de admirá-lo. Ninguém mais subia a colina até sua cabana, a mais isolada de todas, e não havia uma explicação do porquê disso estar acontecendo. No começo o mestre não se incomodou. Depois veio a sensação de solidão e por fim curiosidade.
O mestre desceu a colina e foi atrás do farmacêutico. Homem acostumado a cultivar raízes para suas curas medicinais era o melhor amigo do mestre, por isso este não teve a menor timidez ao lhe perguntar sobre a ausência de visitas.
O farmacêutico coçou a barba, deu uma olhada no mestre de cima abaixo e depois respondeu: não ligue para isso, são os novos tempos. Antes eu me dedicava a cultivar ervas agora tenho de mandar buscar remédios na capital. São os novos tempos. Se o senhor vestisse umas roupas novas e se apresentasse na praça muitos iriam ouvi-lo.
O mestre foi embora relutante. Não estava acostumado a pedir as pessoas que o ouvissem e sim a ficar esperando pela visita delas. Mas no final acabou cedendo.
O mestre comprou roupas novas e foi até a praça e assim começou a falar. As pessoas logo se aproximaram e começaram a fazer perguntas. O mestre respondia a todas elas e para sua surpresa logo havia uma multidão interessada no que ele dizia.
O mestre foi embora satisfeito por não estar mais se sentindo solitário e repetiu aquele feito muitas vezes. Mas não estava feliz. Sentia que não era a mesma coisa. Enquanto estava na praça falava sobre muitos assuntos, coisas repartidas que não se ligavam uma a outra, que não criavam um pensamento único, que podiam agradar a um e desagradar a outro e depois vice versa. No final todos ouviam o que queriam ouvir embora nada parecesse afetar suas vidas de uma forma construtiva. Se queriam saber sobre o amor se esquivavam da idéia de aprender sobre amar, se queriam convencer um vizinho a pensar como eles não queriam saber de entender antes porque ele pensava diferente e assim a vida seguia.
De tempos em tempos as pessoas se afastavam, mas assim que surgia um assunto novo que na maioria das vezes não passava de um fuxico corriqueiro lá estavam as pessoas a pedir conselhos para o mestre.
Inquieto relatou este comportamento do povo ao farmacêutico e este respondeu que eram os novos tempos. Mas o mestre não se conteve e perguntou reflexivo: - será que as pessoas vão viver assim para sempre? Sem refletir sobre nada, sem contemplar nada, interessadas só no satisfatório e no pueril. O farmacêutico sem saber o que responder coçava a barba e repetia: são os novos tempos.