A vida que insiste
Elza despertou. Era mais uma manhã. Mais um dia. As poucas horas de sono refletiam no intenso cansaço. Não levantou. Ficou ali, deitada como se fugisse da realidade de continuar. Pôs as mãos na cabeça que insistia em doer, alias a enxaqueca era a única presença constante. As lembranças martelavam: Rui, Rui, Rui. Rui era o marido, ou melhor, o ex-marido que decidiu "de forma surpreendente" simplesmente "ir embora" porque "Conheceu alguém". Mais um dia, em quase dois anos, na vida de Elza, que sonhou com o amor eterno, na família perfeita, na compreensão milagrosa e na capacidade humana de se manter de acordo com o que se idealiza.
Passou as mãos no rosto. Tentou, em vão, fugir de si.
O desespero começou a dominar sua mente.
Instintivamente fechou os olhos e afundou o rosto no lençol. O dia só estava começando.
Como numa tentativa de escapar, Elza pulou da cama e numa atitude impensada abriu o guarda-roupa. Sentiu que algo caiu no chão. Numa resposta imediata, olhou na direção do envelope. Verificou que se tratava de uma fotografia. Pegou com carinho e se viu ainda adolescente, num sorriso que há muito não via. O uniforme escolar denunciou o ambiente. Reconheceu os rostos em volta. Sua mente acompanhou a descoberta e se permitiu voltar no tempo. Há cerca de quinze anos. Era a galera do Segundo Grau do colégio Pereira Passos. Lembrou-se também dos encontros e desencontros; dos bailes; dos professores "Hi... Dona Raimunda, professora de Português. Pegava do pé de todo mundo"; das colas; do Rogerinho, da Vitória, do Bruno, lembrou-se que ainda estava viva. Parou. Sentiu mais uma vez que lágrimas brotavam: "Estou viva". Sentiu como se um vento impetuoso entrasse no cenário.
Olhou mais uma vez a velha foto. "Estou viva" repetiu numa tentativa de auto convencimento.
Agora foi o cantar de um pássaro que chamou a atenção. Andou lentamente até a janela.
Abriu as cortinas. Parou, mas o canto era como se um convite. Venceu. Elza abriu também a janela e sentiu a luz do sol entrar no quarto. Sentiu o calor do sol aquecer sua alma.
Abriu os braços e viveu aquele momento e pela primeira vez em muito tempo sentiu paz. Olhou para o horizonte exposto como uma obra de arte e gritou: ESTOU VIVA!