A entrevista

Na hora certa ele estava lá. Recebera a notícia no dia anterior quando já não tinha nenhuma esperança. Estava decidido a prosseguir a vida fazendo um ou outro bico e procurando aproveitar o tempo disponivel para aprender coisas novas.Acostumara-se com sua situação. No início foi dificil, temia contas, despesas, o futuro.Não conseguia enxergar nada de bom em juntar-se a fila dos desempregados. Mas o tempo foi passando e acabou se convencendo que estar sem uma carteira assinada não significava que era o fim de tudo. Ele era dono do seu tempo, fazia sua hora, escolhia para quem trabalharia e quando estivesse saturado poderia programar sua folga.Antes enviava milhões de currículos, depois foi reduzindo até ser algo esporádico. No final já não importava mais.

Todavia aconteceu.Depois de tanto tempo ele foi chamado para uma entrevista e ao contrário do que esperava de si mesmo, temeu. Aos poucos a lembrança da rotina, a pressão, os rostos enfezados de clientes e patrões insatisfeitos, a falta de reconhecimento foram destruindo seu ânimo. Céus! Ele deixara de ser um "institucionalizado".Era um profissional liberal. Sentia-se como um pássaro sendo arrastado para a gaiola. Mas precisava considerar os beneficios de um emprego fixo, salário todo mês, plano de saúde, décimo-terceiro, férias...com um dinheiro certo poderia planejar melhor outras coisas, quem sabe até mesmo abrir um negócio próprio se economizasse...Não, aí já é delirar demais. Mais provável conseguir investir num curso e conseguir uma qualificação. Talvez não fosse tão ruim voltar para as rédeas do emprego formal.Talvez...

Após meia hora da combinada, ele foi atendido. Uma moça simpática se apresentou como responsável pela entrevista. Tinha o currículo dele na mão e uma xícara de café na outra. Perguntou se gostaria de tomar um, ele preferiu recusar, já estava nervoso o bastante. Então ela deu início a entrevista, que de longe era o que se via pela televisão, nada mais que constatações do que havia no currículo, explicações sobre o trabalho, regras da empresa e promessas de um futuro brilhante, algumas perguntas simples e um sorriso. Cada qual cumpriu o seu papel. Ela disse que estariam decidido na semana e era para aguardar um telefonema, ele suspirou aliviado por não ter que tomar nenhuma decisão na hora, como temia.

O vento frio da rua foi reconfortante. Agora sua vida poderia mudar ou não depois da entrevista. Na verdade, mudaria de qualquer jeito porque naqueles poucos instantes descobrira um sentido para si. Entendera que sua liberdade e satisfação não se limitavam a uma carteira assinada, contracheques, bônus ou comissões. Ele poderia ser o que quisesse independente do sim de um patrão fardado. Nos anos em que trabalhou em uma empresa nunca enxergara possibilidades em si. Suas preocupações eram cumprir as tarefas para garantir a grana no fim do mês. Agora podia ver que a vida era muito mais do que isso e ele poderia saboreá-la da melhor maneira.Agora entendia porque não eram loucos alguns amigos seus que largaram os melhores empregos para se tornarem cantores, guias turísticos, dançarinos. Sua cabeça não precisava ser guiada pela sobrevivência apenas. Se seu sonho fosse o maestro ele poderia viver a música, não só ouvi-la.

Fora entrevistado por si mesmo e chegara à conclusão de que aquele emprego não era apto para o seu sonho.