A última Boda de Carmem
Com palavras duras e uma feição ríspida ela o recebeu naquela noite quando chegara do trabalho, cheirava a álcool enquanto ela que delicadamente se perfumara para o receber em suas bodas, sustentava a austeridade e desgosto em sua face, por dentro sua alma atingida pela indiferença pontual do marido se liquefazia em lágrimas invisíveis, escorriam por dentro da carne; e por falar em carne a sua parecia fria e sem vida como a de um morto, não reconhecia o tato de quem quer que fosse, afagos ou qualquer tipo de afeto não brotavam das mãos daquele homem, era ele um estranho conhecido de longa data, tão longa que merecia ser comemorada é que instituiram em algum lugar lá fora, mas para ela não havia comemoração e nem entendimento do que é mesmo que se comemorava num casamento, ao menos não no dela.
Ela alimentou-o e o viu choroso se desculpar e tentar remeter uma promessa sobre todas as anteriores, ela já não as contava, mas sabia que já somavam mais de 150, todas elas eram compostas das mesmas palavras, era tão religioso quanto qualquer ato falho, saia assim, já sem sentir, palavras automáticas do desespero de quem sabe ser incapaz de qualquer mudança.
Ela era incapaz de qualquer mudança também, era composta de moléculas de passividade, embebidas de tradição familiar e religiosa e por isso mesmo, tudo sempre redundava na aceitação, ainda que no seu âmago algo não aceitasse nunca, era uma carga viral que a adoecia internamente e a espetava sempre, causando incômodas dores e náuseas por ser feliz, uma vez que fosse, para dai então expirar, mas como quer que fosse, aquele vírus agitava-se dentro dela lembrando de que a morte daquilo tudo seria a entrada para uma vida nova.
Viu aquele homem, que chamava de seu, sem sentir nenhum prazer nessa posse, ir se deitar.
Olhava para a tela via os créditos finais anunciarem que a novela tinha término e pensava em todas aquelas mulheres, vidas inventadas é verdade, mas de aparência tão mais realística o que a sua própria, eram fortes e lutavam pelo que anseavam e quis brincar de dirigir a própria vida, imaginou como seria deixar aquele homem, mas não abrigou por muito tempo aqueles pensamentos e foi também se deitar.
Deitada, começou a sentir a brisa da janela que o seu esposo esquecera aberta, quis se irritar com aquilo, mas ele era um inerte e a irritação não o faria mudar. Levantou-se, foi até a janela e avistou um jovem assentado no meio fio. Devia estar bêbado, voltando de alguma festa.
Em outra ocasião ela temeria aquele jovem, pensaria ser um drogado ou algo assim.
Mas algo naquela brisa, fortaleceu aquela carga viral que lhe habitava e de forma buliçosa despertou um desejo qualquer, ela via as costas largas daquele jovem totalmente descobertas, a blusa ia na mão, as lampâdas incandescentes da rua davam intensidade àquela cor morena e ela podia ver o brilho do suor que lhe escorria, sentiu um calor estranho à ela, mas que deveria ser como o daquela moça promíscua da novela que se deitava com o irmão do marido, desejou ser aquela atriz, ao menos ali na novela, meia hora que fosse de vida seis vezes por semana, não sabia no entanto sequer como seria protagonizar a sua própria vida.
O rapaz virou-se e notou que capturara a atenção da mulher, ela abuzida pela sua voz rompendo o silencio da noite tomou um sobressalto.
- Senhora pode me dar um copo d´agua?
Ela sabia de có inumeráveis motivos para ignorar aquele transeunte e ir se deitar, mas não agiu desse modo. Foi até a cozinha, apanhou uma garrafa, saiu até a porta e serviu aquele jovem.
O jovem olhava para a camisola de seda e abaixo de seu caimento pernas belissimas e firmes que não denunciavam os idos 42 anos daquela senhora.
- O que faz na rua tão tarde e assim? Não temes em ser assaltado?
- A senhora me perdoe o inconveniente, sou estudante moro nessa república que fica ali (apontava para o outro lado da rua, uma república de estudantes, cuja Dona era amiga de Carmem, desde que mudara para ali). Estava em viagem fui visistar os meus pais que moram no interior, o ônibus atrasou e perdi o horário, a essa hora já não poderei entrar, estou aguardando um amigo para quem liguei, ele há de vir me buscar para dormir em seu apartamento consigo.
Carmem abrira o cadeado e a porta e já não haviam grades que os separassem. Ficou ali inquerindo o rapaz sobre o curso que fazia, a universidade, seus pais...
Chamava-se Bruno, tinha 23 anos, estava no 7 semestre de educação física e fosse pelo tipo fisíco, fosse pela cor, carisma, ou pelo pecado de o desejar, ela começou a desejar-lhe com ardência e tenazmente, parecia mesmo que estava sob possessão de alguma entidade demoníaca e os seus olhos quase penetravam a calça justa e jeans do rapaz enquanto lhe falava, pediu-lhe para tocar as costas, enquanto questionava o motivo do dragão tatuado às costas e se doera muito quando o fizeste, contudo o toque naquelas costas não foi tão inocente quanto ela pretendia o dissimular e Bruno sentiu despertar os teus instintos ao que seu membro enrigesseu-se, talvez não tanto mas o suficiente para chamar atenção daqueles olhos que por ali já pousavam desde algum tempo.
Sentiu o seu coração em disparate, nem se recordava mais que o seu marido a aguardava no quarto, ela parecia uma alma fora do corpo passeando pelo limbo, e pressentia que não tornaria ao lugar habitual, ela estava morta, ela estava viva, ela estava estendendo sem nenhum pudor as mãos pra onde aquele jovem a conduzia, sentiu a espessura do pênis rígido de Bruno e quase desfaleceu, quando aquela sua carne de natureza sempre fria, gélida e sem nenhuma capacidade sensorial emitia calor e transpirava feromônios, sentiu-se mole e achou que cairia, correu o olhos ao redor e para dentro de casa e antes de terminar de verificar se havia alguém que os espiasse se viu entre os braços daquele jovem que a sustentava com força contra o seu corpo e o seu membro de igual modo.
Não podia falar, as palavras pareciam escapar antes sequer que chegassem a boca e se perdiam por algum lugar, ainda que intentasse falar, seria interrompida porque a mão forte e larga vinha sob sua nuca puxando delicadamente seus cabelos para trás e reclinando o pescoço que era beijado, acariciado; fosse ele um vampiro, ela já se rendia como sua presa e eles se beijaram.
Ela nunca havia beijado alguém daquele modo, com todo o corpo, sentindo as almas se projetarem por meio da carne uma contra a outra como se quisessem se unir, ou ao menos se devorarem.
Como que assaltada pela insanidade de todas aquelas sensações ela o convidou para entrar. Ele abriu-lhe a camisola ali mesmo no portão de casa e tateando-a com as mãos, disse-lhe:
- Eu a quero aqui!
Ela não podia reagir, ou se pudesse ela estava resoluta a ignorar essa capacidade e imaginou que estava apenas vivendo a vida de um outro alguém, ou vivendo apenas.
Fizeram-se cegos para o mundo, ignorantes para qulquer existância além daquele desejo, como cães se atracando na rua, eles se lambiam, se empeliam um para o outro como se estivessem buscando algo sob a pele, e estavam. Enquanto ele a adentrava, ela fazia-se de soprano e a sua canção era o brado de gemidos delirantes, parecia que a sua alma estava rasgando enfim a matéria e saindo para fora do corpo, lucidez nenhuma os detinha, sequer recordavam de que a porta estava aberta, de que os vizinhos provavelmente os ouviam... nada, eles estavam sentindo e isso era tudo. A fúria daquele desejo poderia fazer com que eles assassinassem alguém, e o fizeram.
Carmem nasceu naquele jovem sob aquela lua, enquanto a mulher que a antecedera nunca mais foi vista por quem quer que fosse.
Na manhã seguinte pediu o divórcio.