Dr. Chamas e Chocolate, o palhaço
Dr. Chamas e Chocolate, o palhaço.
Caminho pisando na serragem que cobre o picadeiro, e olho aquela massa imensa de lona, despojada de sua graça, assim amontoada no solo; diferente de quando armada, elevando-se para o céu, mostrando uma profusão de cordas, fios e cabos de aço de seus trapézios. Piso desconfiado no terreno lamacento, que circunda dois terços do circo, encharcado da água usada no banho dos animais; as roupas coloridas em torno dos trailers, as carnes brancas das mulheres, as faces encarquilhadas dos velhos artistas, destacando-se os palhaços, de pele queimada pelas pinturas diárias com tintas de má qualidade. Vejo a lama endurecida na pele áspera dos elefantes sem o marfim; os dentes arredondados e amarelecidos das chamadas feras, que se espreguiçam, esperando um pedaço de carne de terceira. Onde está o doutor Chamas, de nome evocativo, que era uma espécie de relações públicas entre o povo circense e a comunidade? Fico admirado de ver como o Chocolate, palhaço jovem, consegue jogar futebol no campo do Ibaté junto a jovens locais...Achei um abuso, ele se aproximar do gol e num salto mortal, transformar pés em cabeça, marcando um tento diante do embasbacado goleiro... Fico na dúvida se deveriam anulá-lo por artes demoníacas, ou se deveriam aplaudi-lo, como se estivessem na platéia. Fico admirado de ver crianças ensaiando, ainda tão pequenas, mas com tal maestria, que nos dão a impressão de terem começado a praticar na vida intrauterina. Que mulher estranha a Cabelos de Aço; dependurada pelos longos cabelos negros, içados num fino cabo de aço. Cuidado mulher, que um dia lhe acontece o mesmo que se deu com Sansão, aquele da Dalila. Volto à figura do doutor Chamas, gordo e imponente, alto diante de minha pequena estatura, barba sombreada e voz tonitruante. Por que doutor Chamas relações públicas? Um homem que todas as noites lançava chamas pela goela assustando a todos...Crianças e adultos simplórios. Ele precisando de crianças espertas, para a distribuição da programação quente do circo, que recebiam em troca, um cartão imaculadamente branco, com a assinatura do doutor Chamas, que era como um bilhete de entrada no circo. Eu criança além de esperta, transformava-me em escriba e assinava cartões escrevendo o nome do citado doutor, e os distribuía, entradas grátis, para os amigos. Doutor Chamas estranhava a quantidade de cortesias, mas gostava de ver o circo regurgitando de público. Hoje, lembro com saudades daquele tempo, mas vem à minha lembrança o triste episódio do incêndio do circo de Niterói.