É sábado. Estou sozinho

As folhas balançavam ao vento. Embora faça muito calor em fevereiro, o vento resolveu se mostrar imponente. E como ventou esta tarde! Da varanda do meu quarto andar observei a chuva mansamente chegando. Eu estava sozinho e assim sendo podia ter certos privilégios como, por exemplo, ficar nu. Eu, totalmente sem roupa, olhava a janela que dava para a sacada, quando vejo a chuva chegando bem marota. Eu ria e achava que a chuva vinha para me banhar. Se eu me deitasse lá fora, sentiria os seus pingos me cobrindo por inteiro. Porém, eu poderia também acabar incomodando a vizinhança.

Soube que nos prédios em frente há malucos que ficam com binóculos bisbilhotando os apartamentos. Eu já fiz isso, foi muito bom e divertido... Mas confesso que não me agrada a idéia de ser a vítima da vez. Fechei a cortina.

O barulho que o vento faz obriga-me a aumentar o volume da televisão. Passo a esmo os canais tentando achar algo que me agrade. Claro que acabo, mais uma vez, assistindo ao jogo de vôlei do canal de esportes. Até decorei as jogadas.

De repente, durmo.

Acordo num sobressalto com o telefone tocando. E o pior, era engano. Volto a dormir? I don't think so. Então me levanto e vou tomar um banho. Lembro-me da chuva e deparo-me com um sol incandescente ao reabrir as cortinas. Loucura.

E agora? Saio e vou comer algo ou assisto a mais TV? Durmo de novo? Optei por pegar o meu carro e deixá-lo me levar. É muito simples, basta ligar o motor e engatar a marcha. Daí ande seguindo as placas e sinais. Um sinal vermelho significa: não vá por aqui! Então viro e continuo deixando as placas me guiarem e, quando fico indeciso, apelo para as placas dos carros, par é virar à direita, ímpar virar à esquerda e acabo chegando perto de algum lugar.

Uma padaria? Quem ganhou foi a fome. Entro e como dois baurus de peito de peru, queijo branco, mais o tomate e o orégano, só para dar sabor... Ah,... que delícia! Completa a refeição um suco natural de laranja. Depois disso, volto para casa. TV ou internet? Acho que um DVD é a melhor opção e vejo um filme que nem sequer tinha tirado da embalagem plástica.

Já é noite e as luzes acenderam a cidade. A brisa é leve. Escancaro a persiana. Quero ser engolido pela noite e observo-a como se fosse uma tela de TV. O filme começa. Agito-me no sofá e me envolvo. Quando me dou conta já é um outro dia... e tudo se repete mais uma vez...


Texto publicado no livro Sangue: literatura e outras loucuras, de Márcio Martelli, Editora In House (2008).