0 SOLITÁRIO PAPAI

O restaurante estava cheio.

Muitas famílias ocupavam grandes mesas para o almoço comemorativo do Dia dos Pais.

Alguns homenageados, muito jovens ainda, carregando meio desajeitados, o bebê, outros mais velhos atentos a algazarra da criançada e outros, mais velhos ainda, complacentes com a traquinagem de netos e bisnetos.

Leopoldo estava só, sentindo-se mais só do que nunca ocupando uma mesinha solitária em um canto meio escuro do salão, obviamente o pior lugar, mas, tudo bem! Ele estava ali só para almoçar. Não tinha nada para comemorar.

Sem saber por que, veio-lhe à memória, uma passagem de sua juventude que ele teimava em esquecer, mas que vez por outra assomava-lhe à mente cobrando-lhe uma dívida que ele não tinha como pagar

Era muito jovem ainda e apaixonou-se por Laila, uma linda garota de quinze anos.

Quando Laila, assustada e temerosa contou-lhe que estava grávida, ele ficou

apreensivo e a primeira coisa que lhe ocorreu foi que ela não devia ter o filho.

Laila negou-se a fazer o aborto e Leopoldo resolveu fugir.

Depois disso Leopoldo teve vários romances com mulheres mais experientes que não lhe causavam problemas e o tempo foi passando até que, mais cedo do que esperava, viu-se só, velho, sem ninguém.

Olhou o cardápio com indiferença e pediu qualquer coisa para matar a fome.

***

Quando os pais de Laila ficaram sabendo da gravidez da filha, Leopoldo já estava longe e não conseguiram localizá-lo.

Resolveram então mandar a menina para a fazenda de um tio, no interior, onde ninguém a conhecia e ela teve a sua filhinha lá, em pleno sertão.

Laila foi mãe e pai para Cinthia. Criou-a com carinho e educou-a com esmero.

Cinthia casou-se com Ricardo e agora estavam comemorando o Dia dos Pais com os quatro filhos casados e os cinco netos.

A certa altura Julia, a neta, cochichou para Laila:

- Olhe lá aquele velhinho, tão só, parece tão triste. Será que ele não tem filhos, netos, ninguém?

Laila voltou-se e, para seu espanto, viu o Leopoldo na sua versão “velhinho abandonado”.

Ficou muito perturbada, mas ninguém percebeu, pois alguém já tinha brincado com a Julia:

- Vá convidá-lo para a nossa mesa!

Todos riram alegres e Laila tomou cuidado para que ele não a visse, pois temia que a reconhecesse.

E pensou com seus botões:

- Ele estaria aqui conosco, se tivesse feito o que devia há cinqüenta anos atrás.

Maith
Enviado por Maith em 07/08/2009
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