Sex and the city
Acredito que tudo tenha sido mentira, que nada disso aconteceu...
Mas acontece que já passou o horário do jantar e ele ainda não apareceu. Nada. Nem mesmo uma ligação. Nestas horas eu preferiria nem ter celular, aliás, seria melhor se não tivessem ainda inventado nada, e-mail, internet, computador. Odeio isso tudo.
Mas ele... era tudo de que mais gostava. Era fissurado em todo e qualquer programa ou parafernália que lesse nas revistas. Aparecia na revista, lia e comprava. Nem sequer ao certo sabia por quê. Talvez importasse mesmo o ter e nada mais. Um dia, quer dizer uma noite, chegou com uma câmera de vídeo e a acoplou ao PC, disse que iriar poder ver imagens do mundo e das pessoas. Eu fiquei a pensar... Pessoas!? Como assim!? Será que existe a possibilidade de traição via rede mundial? Não entendia muito bem isso. Mas assim foi.
De alguns minutos diários a coisa foi crescendo; eram horas agora. Horas que passava discutindo futebol. Como se eu fosse realmente acreditar nisso. Ninguém discute futebol às 3 da manhã. Acho que só ele devia acreditar nisso, nas próprias mentiras. Eu nunca minto. Bem.... uma mentirinha boba, às vezes, não faz mal nenhum, faz?
Mas, voltando...
Eu já estou farta destas coisas, deste tempo inútil, quanta coisa poderíamos ter feito. Ido ao cinema, ao show que estreou no Tom Brasil, teatro talvez, um jantar num restaurante qualquer, há tantos em São Paulo, um motel... sou criativa nisso, quero apimentar. Tudo, menos essa internet. Chat... se fosse bom teria outro nome, chato, chata... não entendo, não quero entender nada disso. Quero apenas o meu direito de me divertir. E de preferência junto dele.
Aprendi um pouco mais com o tempo. Abri meu próprio e-mail e tenho minha própria senha. Coisa de filme de policial. E descobri a senha dele. Isso foi demais. Nem tanto.
Nem tanto mesmo... agora não tem mais graça. Sei o que ele faz. Sei os passos que ele programa. Imagino se ele não descobriu que eu sei a senha e não fica se fazendo de santo de propósito. Para disfarçar... sei, sei... acho que tô ficando paranóica.
E hoje? Qual vai ser a desculpa? Já vi o e-mail. O do outlook e o do hotmail. Eu sei que ele tem os dois. Será que abriu mais um? Ai, meu Deus... E não tinha nada. Nem marca de batom, nem nada em códigos. Sou perita nisso. Decifro de tudo. O burro vai me fazer uma senha com o nome da mãe dele. Matei na primeira. Claro que fiquei desapontada, afinal não era o meu nome. E o pior é que não posso brigar por isso. Nem comentar nada...
Um dia pensei em vir com essa: querido, se você fosse abrir uma conta conjunta no banco, eu colocaria o seu nome como senha... Você poria o meu? Ele respondeu que isso era a coisa mais estúpida que já havia ouvido. Quase gritei: e o nome da sua mãe não é, porra? Tive de engolir em seco.
Onze horas. Começou Sex and the city. Últimos capítulos. Nos Estados Unidos já acabou, aqui ainda tem mais 3 semanas. Ele sabe que é o meu programa sagrado de toda segunda-feira. Será que está esperando acabar ou vai chegar bem no meio? Bem capaz, ele sabe que eu nunca iria interromper para brigar. Mas será que é tão inteligente a ponto de pensar nisso? Tenho minhas dúvidas.
Barulho de carro e é o dele. A música de abertura já começou. Não saio daqui nem morta. Nem por um anel de 80 quilates. Abre a porta. Diz estar cansado, muita coisa na empresa... sempre ela. Finjo que estou preocupada, pergunto se comeu e peço para não ser importunada durante o filme. Ele vai para o banho e eu não resisto. Pego o seu celular e vejo um número que desconheço. Dou um redial e uma mulher atende.
- Felipe é você? Já chegou?
Desligo. Deito na cama arrasada. Na tela Samantha filma sua transa com o namorado. Olho a cena. Olho para a minha vida. Pego o controle remoto, desligo a TV, penteio os cabelos, visto um vestido curto, passo um batom e saio para a rua. A cidade me chama.
Texto publicado no livro Para Sempre, de Márcio Martelli,
Editora In House (2006).
Acredito que tudo tenha sido mentira, que nada disso aconteceu...
Mas acontece que já passou o horário do jantar e ele ainda não apareceu. Nada. Nem mesmo uma ligação. Nestas horas eu preferiria nem ter celular, aliás, seria melhor se não tivessem ainda inventado nada, e-mail, internet, computador. Odeio isso tudo.
Mas ele... era tudo de que mais gostava. Era fissurado em todo e qualquer programa ou parafernália que lesse nas revistas. Aparecia na revista, lia e comprava. Nem sequer ao certo sabia por quê. Talvez importasse mesmo o ter e nada mais. Um dia, quer dizer uma noite, chegou com uma câmera de vídeo e a acoplou ao PC, disse que iriar poder ver imagens do mundo e das pessoas. Eu fiquei a pensar... Pessoas!? Como assim!? Será que existe a possibilidade de traição via rede mundial? Não entendia muito bem isso. Mas assim foi.
De alguns minutos diários a coisa foi crescendo; eram horas agora. Horas que passava discutindo futebol. Como se eu fosse realmente acreditar nisso. Ninguém discute futebol às 3 da manhã. Acho que só ele devia acreditar nisso, nas próprias mentiras. Eu nunca minto. Bem.... uma mentirinha boba, às vezes, não faz mal nenhum, faz?
Mas, voltando...
Eu já estou farta destas coisas, deste tempo inútil, quanta coisa poderíamos ter feito. Ido ao cinema, ao show que estreou no Tom Brasil, teatro talvez, um jantar num restaurante qualquer, há tantos em São Paulo, um motel... sou criativa nisso, quero apimentar. Tudo, menos essa internet. Chat... se fosse bom teria outro nome, chato, chata... não entendo, não quero entender nada disso. Quero apenas o meu direito de me divertir. E de preferência junto dele.
Aprendi um pouco mais com o tempo. Abri meu próprio e-mail e tenho minha própria senha. Coisa de filme de policial. E descobri a senha dele. Isso foi demais. Nem tanto.
Nem tanto mesmo... agora não tem mais graça. Sei o que ele faz. Sei os passos que ele programa. Imagino se ele não descobriu que eu sei a senha e não fica se fazendo de santo de propósito. Para disfarçar... sei, sei... acho que tô ficando paranóica.
E hoje? Qual vai ser a desculpa? Já vi o e-mail. O do outlook e o do hotmail. Eu sei que ele tem os dois. Será que abriu mais um? Ai, meu Deus... E não tinha nada. Nem marca de batom, nem nada em códigos. Sou perita nisso. Decifro de tudo. O burro vai me fazer uma senha com o nome da mãe dele. Matei na primeira. Claro que fiquei desapontada, afinal não era o meu nome. E o pior é que não posso brigar por isso. Nem comentar nada...
Um dia pensei em vir com essa: querido, se você fosse abrir uma conta conjunta no banco, eu colocaria o seu nome como senha... Você poria o meu? Ele respondeu que isso era a coisa mais estúpida que já havia ouvido. Quase gritei: e o nome da sua mãe não é, porra? Tive de engolir em seco.
Onze horas. Começou Sex and the city. Últimos capítulos. Nos Estados Unidos já acabou, aqui ainda tem mais 3 semanas. Ele sabe que é o meu programa sagrado de toda segunda-feira. Será que está esperando acabar ou vai chegar bem no meio? Bem capaz, ele sabe que eu nunca iria interromper para brigar. Mas será que é tão inteligente a ponto de pensar nisso? Tenho minhas dúvidas.
Barulho de carro e é o dele. A música de abertura já começou. Não saio daqui nem morta. Nem por um anel de 80 quilates. Abre a porta. Diz estar cansado, muita coisa na empresa... sempre ela. Finjo que estou preocupada, pergunto se comeu e peço para não ser importunada durante o filme. Ele vai para o banho e eu não resisto. Pego o seu celular e vejo um número que desconheço. Dou um redial e uma mulher atende.
- Felipe é você? Já chegou?
Desligo. Deito na cama arrasada. Na tela Samantha filma sua transa com o namorado. Olho a cena. Olho para a minha vida. Pego o controle remoto, desligo a TV, penteio os cabelos, visto um vestido curto, passo um batom e saio para a rua. A cidade me chama.
Texto publicado no livro Para Sempre, de Márcio Martelli,
Editora In House (2006).