Sublimação - Parte II
Após uma longa espera, tive mais uma conversa produtiva com meu amigo. Tive condições de entender melhor sua situação e aqui está o que aconteceu...
Olá. Como vai? Faz tempo que não conversamos. Está tudo bem? Sim. Ele respondeu com um tom um tanto que preocupado. Percebi que algo estava errado, mas evitei tratar de assuntos que lembrassem ou fizessem menção de preocupações ou trabalhos. Procurei falar sobre situações alegres, inusitadas e até mesmo lembranças de amigos da universidade que temos em comum. Falei sobre situações inusitadas como a de um professor que tivemos de Estudos comparados das Culturas Latinas e Gregas. Este era mole nos gestos, se é que me entendem. Falava sempre apontando para as pessoas, sempre curvando acentuadamente o punho da mão esquerda. Olhava de cima para baixo para todos e sempre pelo canto dos olhos. Transpirava muito nas axilas e tinha um odor bem típico que nem o mais caro dos perfumes franceses conseguia mascarar. Tinha um cacoete nos lábios sempre antes de falar: mordia os lábios superiores com os dentes inferiores. Visão do inferno confesso. Eis-me aqui confessando novamente. Que coisa! Pois bem... Este professor gostava de descansar o queixo nos ombros, sabe? Nada contra ele, nem tão pouco contra sua maneira de pensar e agir. Mas é que era preconceituoso, insensível, altivo e inimigo de muitos. Adorava humilhar as pessoas com suas doses de conhecimento de cultura mundial. Chegou até ter um processo administrativo pelo comportamento que teve com uma das turmas da universidade. Depois disso, deixou a docência e nunca mais ouvimos falar dele. Certa vez fez um comentário em sala durante a aula de estudos da cultura grega. Estávamos falando e discutindo sobre a influência deste povo na cultura ocidental; sobre como alguns hábitos foram perpetuados e de como o sistema econômico mundial ainda carrega alguns resquícios dessa cultura. Daí ele falou sobre Sociologia, Cidades, Família e claro, sobre o ato sexual dos gregos e das famosas salas de banho; falou também do sistema de dutos destes lugares. Acentuou a voz novamente sobre o sexo dos gregos e disse com um tom mole e cheio de misturas do tipo meio indefinido: não acho graça no ato sexual. Dura apenas alguns minutos e às vezes só quem goza é o homem. A vagina, ufa... Fica molhada... E... Só. Não é? Cá pra nós, gente. Não há nada mais sem graça que o sexo. Aliás, que me desculpem as mulheres, mas, em minha opinião, não há nada mais sem graça que a vagina. Vocês não acham? Fez-se um silêncio sepulcral. Em alguns segundos, um riso quase imperceptível soava quebrando o barulho dos ventiladores que giravam lentamente. Mais um pouco e outra risada mais alta e outra e outra e logo todos estavam rindo deste comentário pérfido ás razões divinas existentes tanto no ato sexual quanto na vagina cujo formato receptivo é, no mínimo, lindo e perfeito. Lembramos disso juntos e rimos um pouco. É engraçado como a lembrança consegue mudar toda uma situação e, em alguns momentos, até consegue melhorar outras, não é? Sim. Responde ele com um olhar saudoso. O que houve? Perguntei-lhe calmamente e colocando minha mão esquerda sobre seu ombro direito. É que encontrei com ela hoje acidentalmente. Não esperava vê-la. Melhor que não tivesse visto. Agora estou saudoso desejando vê-la mais uma vez, querendo conversar com ela, olhar seus olhos... Nem sei se ela pensa em mim. Onde você a viu? Descendo as escadas da repartição. Estava linda! Parei o que estava fazendo apenas pra olhar cada passo que dava em direção ao último degrau. Queria que ela olhasse pra mim e apenas acenasse e sorrisse. Para mim isso seria suficiente. Você acha que estou apaixonado? Perguntou-me num tom de puro susto. Que nada! Respondi. Você não está apaixonado por ela. Isso é apenas impressão sua. Fez-se silêncio... Por um momento ele acreditou no que falei, mas, em seguida, me conhecendo, logo percebeu que estava realmente gozando com sua cara. Ambos rimos por uns segundos. Levantei-me, pois já era quase hora do almoço e precisava ir embora, queria terminar de fazer alguns relatórios. Mas antes, ainda conversamos. Você tem cinco minutos. Perguntou-me. Claro! É que preciso te dizer algo que aconteceu. Lembra quando te falei que ela veio até mim e que meu nome estava atrelado ao dela para termos mais uma reunião? Sim. Respondi. Pois bem... Fiquei ansioso e quase não pude trabalhar pensando em sua entrada em minha sala. E aí o dia dela chegou. O horário dela chegou. Ela chegou. Estava linda. Pediu licença, sentou-se, abriu uma pasta com documentos e me explicou muita coisa que se quer lembro agora... Apenas olhava para ela... Por um momento pensei em me atirar, pegá-la a força, beijá-la... Queria isso, mas não fiz! Não tive coragem. Sou um coverde! Pensei em minha namorada, em minha família, em meus valores, em minha religiosidade, em minha postura profissional. Repetia pra mim mesmo o tempo todo: tenha calma, tenha calma. Você é profissional. Você é profissional. Fiz disso meu mantra durante todo o tempo que fiquei com ela! Em um dado momento eu tomei a fala e, de maneira profissional e séria, expliquei e decifrei todos os documentos e procedimentos para seu caso. Acredito que fiquei uns trinta minutos falando e interagindo com ela. O meu telefone tocou. Atendi. Era do setor jurídico confirmando a presença dela e perguntando-me se havia necessidade de mais algum formulário para que ela o preenchesse, se eu precisaria de alguma ajuda, se todos os documentos estavam em ordem e que havia um relatório a ser preenchido em minha caixa postal interna. Respondi a todas as perguntas que me fizeram e disse-lhes que estava tudo bem com os documentos dela e que logo que possível iria checar minha caixa postal. Entreguei-lhe um documento pra que assinasse enquanto estava ao telefone. Durante toda a conversa, vi que ela sutilmente olhava pra mim e sorria delicadamente com o documento em mãos. Desliguei. Fez-se silêncio. Olhamos-nos e ela, afastando os lindos cabelos lisos e negros que tinha por trás da orelha esquerda, sutilmente desviou seu olhar. Ali percebi que, de alguma forma, havia retribuição. Tentei acreditar que era invenção de minha mente. Mas ela voltou a sorrir pra mim. Olhou delicadamente para mim e sorriu. Perguntei-lhe: porque sorri? É que você trocou o documento que me entregou. Não é meu. Há um nome masculino aqui. Desculpe-me, desculpe-me! My bad! Respondi. E ela com um olhar sereno disse: Como? Não entendi. Quis dizer que era minha culpa! Rapidamente desfiz o erro e, pela primeira vez, nossas mãos se tocaram na troca de documentos. Momento mágico para mim... Meros segundos que foram séculos. Olhamo-nos novamente. Sorrimos novamente... Ela tomou uma caneta, assinou o documento e o devolveu pra mim. Conferi tudo e, durante minha conferência, ela abriu sua bolsa, tomou um cartão com seu nome, número e e-mail. Escreveu atrás alguma coisa que não consegui decifrar naquele momento e me entregou. Não falou nada. Apenas me entregou o cartão e sorriu. Levantou-se delicadamente, agradeceu a atenção, apertou minha mão levemente e, dizendo que aguardaria resposta sobre tudo, despediu-se. Abriu a porta do escritório e partiu. Enquanto a porta se fechava, via a sensualidade encarnada em uma mulher ir-se embora. O verso do cartão dizia: aguardo sua ligação sempre ao meio dia, horário que posso atender sem maiores impedimentos. Beijos. Ligue-me sem falta! Me questiono sobre isso desde então. O que devo fazer? O que você sente vontade de fazer? Perguntei-lhe. Claro que quero ligar, mas devo fazer isso? Você deve escutar o que diz suas vontades, desejos, anseios. Aprenda a se escutar. Se permita! Conheça-se! Verifique o que é isso tudo! Você sabe o que sente? Não, disse ele. Talvez seja só tesão, afinal ela é linda! Então, porque não averiguar que sentimento é esse. Melhor do que ficar se martirizando, não acha? Faça isso com cuidado e Let it be! Ou você esqueceu a música? É. Respondeu-me. Talvez você esteja certo mesmo. Preciso deixar acontecer, preciso deixar acontecer. Mais um mantra surgiu? Risos. Despedi-me e saí rumo aos meus afazeres diários. De longe, vi que ele ainda continuava sentado no mesmo lugar que estávamos. Ele, o tempo e um cartão... Segurava-o com as duas mãos. Estava pensativo, saudoso, perto dela, ao menos em pensamento. De seus lábios partia um movimento pequeno que parecia balbuciar o que havia no cartão: ligue-me, ligue-me, ligue-me. Após alguns instantes, levantou-se, guardou o cartão em sua carteira, respirou profundamente, passou as mãos no rosto e seguiu em direção a sua sala...
Se ele vai ligar, não sei. Jamais incentivei alguém a fazer isso. Com ele, porém... Fiz o contrário. Fiz isso com ele porque, em minha pequena opinião, ele precisa se conhecer mais, ele precisa ser mais alto confiante, precisa saber e conhecer seus limites. Se permitir mais, viver mais... Experienciar! Porém, enquanto isso não acontece, torço pra que ele ligue. Afinal, quero continuar escrevendo aqui...
Até mais!
C.J.Maciel