Sublimação - Parte I
Todos os fatos, idéias e relatos aqui descritos estão baseados em histórias verdadeiras descritas por pessoas com as quais tenho contato. Claro que nomes, lugares e situações foram trocados, preservando a integridade dessas minhas amizades, além de ter uma pitada de invencionismo meu. Desejo a todos uma boa leitura!
Parte I
Hoje, acordei assim, pensativo, só... É. Acordei assim porque veraneei em meus pensamentos. Todos eles povoados de cheiros, emoções, sorrisos, olhares, toques... Saudosismo mesmo! De alguma maneira me sinto constrangido em falar sobre o que sinto. E você pode estar se perguntando: “quem já viu homem sentir alguma coisa, não é?” Pois bem! Eu sou homem e confesso: senti. Hoje, senti falta de tanta coisa, de tantos momentos... É. Veraneei. Coisa de verão à beira mar: nada pra fazer, sem livros pra ler... Dei-me ao luxo de ser irresponsável ao menos por um dia e fiquei apenas... Pesando! E foi nesse dia que eu a conheci. Acredito que já havia encontrado com ela em meus pensamentos e poemas; que nosso encontro foi apenas a confirmação de algo que já acontecera em algum momento de minha vida passada - se é que esta realmente existiu. Quando disse que hoje, acordei. É bem diferente de dizer que hoje acordei. Sim, porque hoje e não ontem é o dia referente ao meu encontro com ela. Gosto desse pronome porque posso usá-lo com neutralidade e sem identificações. Posso usá-lo assim, apesar de ele hoje, aqui, já ter dona. Foi assim: era tarde de Terça-feira. Estava tranquilo e pensando em como a minha vida estava harmoniosa. Havia muito trabalho: e-mails a serem respondidos, telefonemas, confirmações de reservas de vaga... Rotina... Nada fora do normal além do desejo humano de não fazer absolutamente nada. Aquele dia em que você está deliciosamente preguiçoso e irresponsavelmente presente no trabalho. Gosto de chamar esse dia de "o dia que eu me permito". Algo íntimo que absolutamente ninguém sabe, só você. Aquele dia em que você se dá ao luxo de fazer o mínimo até por você mesmo. É algo parecido com o eu me permito atrasar, eu me permito ficar sem fazer nada tendo muito por fazer, eu me permito ficar sozinho, eu me permito só falar bobagem, eu me permito sorrir mais do que o normal, eu me permito pensar em meus objetivos, sonhos, desejos, fantasias...eu me permito... Mas, como disse, fiquei irresponsavelmente parado... Pensando! Não demorou muito e batidas à porta do escritório interromperam meu momento de sublimação inerte no tempo. Ela bate a porta e entra: com sua licença. Pois não, respondi levantando meus olhos em direção aos mais lindos olhos negros que já encontrei em todos os meus trinta e cinco anos de vida: belos, cheios de vida, ligeiramente, reluzente como o sol, convidativo como o som de pássaros em começo de dia. Vim aqui obter informações da prestação de serviços de sua empresa, disse ela. Sente-se. Respondi sem deixá-la notar a euforia que tomara conta de meu coração naquele momento. Que tipo de problema é o seu? Podemos conversar sobre isso? Fale-me! Ela, logo e sem demora e sendo direta em suas explicações, falou-me tudo que eu deveria saber. Expliquei-lhe o procedimento da empresa e fui diretamente ao assunto que era de seu interesse. De maneira educada, escutava e assentia tudo com gestos simples e discretos com a cabeça, apenas interrompendo-me aqui e ali com algumas perguntas curtas. Era um problema sobre o qual já havia passado e relatei-lhe minha experiência no assunto, falei de como havia solucionado aquela situação... Conversa vai, conversa vem, problema aparentemente resolvido e, para nossa surpresa, após alguns minutos a mais de exemplos e soluções práticas, inexplicável e naturalmente estávamos falando de problemas comuns a nós dois. Algo havia acontecido naquela sala e meus momentos de sublimação tinham sido preenchidos por outro tipo de sublimação. Estava sublimando-a! Precisava me conter! Parecia que éramos amigos há anos e, quanto mais falávamos, mais nos identificávamos um com o outro. Falei mais do que ela, confesso. Acho que estou confessando demais. Já confessei que senti e agora que falei. Pois bem... O tempo passou e a nossa conversa se estendera mais do que o esperado e, infelizmente, ela precisou ir embora. Despedimo-nos e ela partiu com algumas respostas. O setor jurídico ficou encarregado de dar continuidade aos procedimentos legais de seu caso. Confesso que fiquei tentado em lhe telefonar. Olha eu aqui confessando novamente... Acho que me viciei em confessar. Será? Vamos ao que interessa... Dias e meses passaram até nosso próximo encontro puramente profissional e confesso que não esperava encontrá-la tão rapidamente pois outros homens também poderiam resolver seu caso na empresa. Pois é! Mas, ela agendou nova reunião e, sem interferências, meu nome foi lançado para recebê-la novamente. Confesso que abri minha agenda diária e quando vi seu nome junto ao meu, esfriei deliciosamente. As horas passaram lentamente até que nosso encontro chegou. Ela retornou e, com um sorriso ensolarado saudou-me. Sublimei novamente, mas me contive! Após alguns instantes de conversa puramente profissional e após tudo ser esclarecido e contratos assinados, tornamos a conversar mais um pouco sobre nossos pontos de vista: vida, arte, leituras e cultura. Claro que estou encurtando o teor das conversas, até porque isso é tão meu que, mesmo se quisesse, não saberia descrever a pronta identificação que aconteceu entre nós. É. Houve uma empatia imediata e conversamos amigavelmente por cerca de duas horas. Falamos entremeios de conversa, sobre nossos parceiros e acabamos por descobrir que estávamos compromissados: eu enamorado e ela noiva. Mesmo assim, este fato não nos impediu de darmos prosseguimento a nossas conversas que, dias mais tarde, tornaram-se encontros. Confesso que, hoje – refiro-me há meses passados – estes encontros deixaram de ser casuais. Confesso novamente: preciso falar sobre como e quando nossos encontros aconteceram. Aqui estou eu novamente confessando: primeiro confessei que senti; depois que falei e, agora, confesso que preciso falar sobre como nossos encontros deixaram de ser tão casuais. Hoje, confesso... Amanhã não sei... Já houve dias em que minha harmonia era tão palpável quanto à palma de minha mão. Hoje, confesso, amanhã, não sei... Antes havia harmonia. Hoje, desarmonizei! Acho que funciona tal como o processo de descontruir para construir. Encontramo-nos... Hoje, estamos divididos. Já amanhã... Bem, amanhã eu conto mais um pouco... É que pra mim, basta a cada dia o relento e o aconchego das horas que conto até meu próximo dia... Até meu próximo encontro... Até nosso próximo encontro...
Aqui pra nós, espero ansioso que meu amigo me conte mais um pouco de sua história...ou será estória? Se for assim, será! Se bem que acredito que todos temos um pouco dela. Afinal, todos, de alguma maneira, sublimamos...
C.J.Maciel