O FIM E O COMEÇO
- Só isso, senhor?
- Sim.
- Três reais.
- OK.
Eu comprei uns tabletes de chocolate a fim de adocicar um pouco o meu restinho de horário de almoço. Já tinha mandado o meu regime para o espaço mesmo.
Ao sair da loja de chocolates, no Centro da cidade, eu segui em direção ao cartório no qual trabalha a minha irmã Lídia. Precisava conversar com ela um assunto familiar de extrema importância.
Lídia e eu sempre nos demos muito bem. Por ser minha irmã mais velha – ela com trinta e sete e eu com vinte e um, sempre a vi como um porto seguro. Nos momentos mais difíceis, foi ela quem esteve do meu lado. Lembro que diante da morte de mamãe ela me acalmou o pranto. Eu chorava feito uma criança enquanto ela, calma e centrada, me acariciava a testa.
O assunto que teríamos naquele início de tarde não seria dos mais agradáveis. Na verdade seria o assunto mais desagradável que tratei com ela até a presente data. Mas aquelas palavras precisavam ser ditas; e logo.
Chegando ao cartório, Milena, uma das atendentes do balcão, me recebeu com o mesmo carinho de sempre.
- Meu amor! Que bom ver você por aqui!
A Milena era uma gracinha de menina e sempre me dava a maior condição. Tinha dezenove aninhos e, mesmo com sua estatura baixa (um metro e sessenta, no máximo), era bastante notável. Suas medidas eram todas muito proporcionais. Tudo nela era, como eu mesmo costumava dizer, “na medida certa”. Sem contar que faríamos um par perfeito, já que tenho apenas um e sessenta e cinco de altura.
- Oi Mileninha! Tudo bom? – eu disse.
- Melhor agora, Cléber – disse Milena a exibir aquele rosto moreno e perfeito.
- Fico feliz. Quer um chocolate?
- Vou aceitar um.
- Pegue. Minha irmã está aí?
- Sim, está! Pode ir lá.
- OK. Até já.
- Ah! Cléber!
- Diga.
- Hoje à noite, o pessoal do cartório vai tomar um chopp no Jazz Bar. Aparece lá!
- Não garanto...
- Ah, faz uma forcinha! Por mim!
Ela pedindo daquele jeito era impossível de negar, mas tudo indicava que eu não teria o menor clima para chopp naquela noite. O papo que teria com Lídia...
- Pode deixar, Mileninha! Farei essa “forcinha”.
Ela sorria.
Eu entrei na sala de minha irmã pensando nas melhores palavras. Precisava lhe dar aquela notícia de maneira certa, com calma. Eu não tinha a mínima noção de como Lídia entenderia o fato.
- Oi Cléber! Que surpresa boa! Sente-se! – disse-me Lídia.
- Tudo bom, Lídia?
- Tudo! E com você, meu irmão?
- Tudo indo, minha irmã.
- Já viu como a Milena está bonita hoje, Cléber?
- Sim, eu a vi. Mas por que “hoje”? Ela mudou algo?
- Deixa eu te contar. Lembra daquele dia em que você me disse que achava linda franjinha de mulher?
- Ah, sim! Lembro!
- Então! Note o cabelo da Milena! Ela está de franjinha, Cléber! Fofa!
Com a cabeça onde eu estava naquele dia seria realmente difícil eu notar algo. Lídia continuava:
- Ai, queria tanto que vocês namorassem! Ela é uma menina de ouro, Cléber! Trabalha, estuda, ajuda nas despesas de casa! Sem contar que é linda, confesse!
- Realmente...
- Hoje à noite...
- Já sei. Vocês estarão no Jazz Bar, não é?
- Sim!
- A Milena já me convidou...
- Então! Você vai, não é?
- Quem sabe...
- Ah...
Lídia estava tão eufórica e feliz. Era uma sexta-feira de inverno, porém, um sol tímido iluminava a cidade e elevava a temperatura a deliciosos vinte e quatro graus. Tudo parecia conspirar para a felicidade de todos, menos o assunto que eu teria com Lídia.
- Lídia, deixemos Milena para uma outra hora. Eu estou aqui porque preciso te contar uma coisa.
- Diga.
- Bem, eu não sei como lhe contar isso, mas...
- Ai, Cléber! Está me deixando nervosa! Diga logo! O que foi?
- É sobre o Daniel.
- Que é que tem o meu marido? Aconteceu alguma coisa? Fale! Algum acidente? Fale!
- Não, nenhum acidente!
- Então, o que houve?
- Semana passada, na sexta-feira, eu o vi.
- E? Conte!
- Eu o vi beijando outra mulher!
- O que você está me dizendo? Viu Daniel me traindo?
- Sim, irmã! Infelizmente...
- Mas me conte isso direito, Cléber! Quem era?
- Você a conhece, Lídia. Quer dizer, nós a conhecemos muito bem.
- Diga, Cléber!
- Fernanda. Vi o Daniel aos beijos com a Fernanda, Lídia.
Fernanda era a melhor amiga de Lídia. Era minha amiga também. Lembro de Fernanda frequentar a nossa casa desde que eu era uma criança.
- Eu desconfiava, Cléber! – disse Lídia – Desconfiava que eles tinham um caso e sentia que um dia eu acabaria tendo a confirmação.
- O que vai fazer, Lídia?
- Bem, eu não tenho provas, não é?
- Tem sim.
- Quais?
- Eu tirei fotos com o celular.
- Deixe-me ver!
Lídia viu as fotos enquanto suas lágrimas silenciosas danaram a rolar.
- Como passou a desconfiar, Lídia?
- Flagrei alguns olhares, pesquei alguns comentários... Fernanda sempre dizia me achar a mulher mais sortuda do mundo por ter o Daniel como marido, essas coisas.
- Olha, Lídia, eu sinto muito, mas eu não pude deixar de te contar isso. Você não merece!
- Fez bem, meu irmão! Sei que é uma situação complicadíssima essa coisa de “se meter na vida de um casal”, mas... Muito obrigada, Cléber! Eu te amo, meu irmão!
- Eu também te amo!
- Sei disso!
- E o que vai fazer, Lídia?
- Não quero mais o Daniel em minha casa. Darei hoje mesmo um prazo para ele sumir da minha vida.
- Se precisar de ajuda...
Lídia secou as lágrimas, se recompôs e:
- Olha, logicamente eu não irei ao Jazz Bar hoje, Cléber. Mas, por favor, vá você.
- Não tenho clima, Lídia. Com você assim?
- Faça isso, meu irmão, por favor! Por Milena! Ela gosta tanto de você... Esperou por essa sexta desde a segunda.
- Tudo bem, mas qualquer coisa me liga, OK?
- Pode deixar, Cléber!
- Eu vou indo... Beijo.
- Beijo, irmão querido!
Ao sair da sala de minha irmã, notei, enfim, a franjinha linda de Milena. Passei pelo balcão e:
- Mileninha de franjinha... – eu disse.
- Só agora que notou, Cléber?
- Notara antes, mas estava apressado para falar com Lídia. Desculpe-me...
- Ah bom! E hoje à noite?
- No Jazz Bar?
- Sim! Você vai, não é? Diz que vai, Cléber!
Eu olhei para o rostinho de Milena e aquele seu par de olhos castanhos claros me forçaram a seguir os conselhos de Lídia.
- Sim, eu vou!
- Oba! Terá show da Mônica Lisboa! Gosta?
- Sim, gosto, mas terá seus lábios por lá também?
O rosto angelical de Milena corava-se.
- Sim, terá... – ela respondia numa vergonha tipicamente adolescente que me seduzia.
- Então, para mim já será uma ótima noite!
- Ai, Cléber...
- A gente se vê mais tarde. Beijo.
- Beijo.
Foi estranho para mim. Deixar minha irmã há poucos metros com uma relação de quase dez anos picotada sobre sua mesa e ao mesmo tempo ver, no sorriso encantador de Milena, o envolvente nascer de uma outra relação. Assim como, um dia, Lídia e Daniel viram a deles.