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QUANDO UM MAL NOS FAZ MELHORES



Queria fazer o curso de turismo, quando abriu inscrição foi uma das primeiras da fila para se matricular. Sentou-se no sofá da sala de atendimento para preencher a ficha, foi quando lembrou que teria de adiar, outra vez, aquele sonho.

Luísa era divorciada, órfã de mãe e vivia com o pequeno Luan e o pai idoso que sofria de Alzheimer. Apesar de amar muito Sr. José, algumas horas sentia o peso e o desconforto de ter que abdicar de muitas coisas por cuidar dele.

Sem parentes por perto como rede de apoio, Luísa andava frustrada desde que o pai fora acometido pela doença ingrata. Tinha a sensação de estar convivendo com um estranho. Ele não a reconhecia, era um dos muitos sintomas do mal de Alzheimer. Ela não o reconhecia por estar diferente do pai amigo, forte, saudável de anos atrás.

 

Quando o Luan parou de usar fraldas, Luísa comemorou com alguns amigos esse acontecimento. Afinal não precisaria sair de casa com malas de pacotes de fraldas. Essa felicidade durou pouco. Logo em seguida, a doença agravou. Na fase intermediária, compreendida entre a inicial e a final, o portador de Alzheimer desenvolve a incontinência urinária. Seu Plínio estaria condenado a usar fraldas até o fim da vida.

Foi um choque, Luísa quase surtou. Entre o sentimento de compaixão e ira do idoso. Numa complexidade de emoção quase explodia em culpas. Sentia pecadora por odiar viver aquilo, por ter que cuidar sozinha do pai, de fazer a higiene, de tratá-lo como um bebê, sem se que fosse! Ao mesmo tempo, Luísa cheia de ternura compadecia daquele pai antes tão autônomo, agora a sua frente frágil e tão dependente de tudo.

Depois que a mãe morreu, Luísa teve de abandonar o trabalho para cuidar do pai e do filho. Sem condições de pagar um cuidador e uma babá, o jeito foi abrir mão da profissão e viver da aposentadoria do pai e dos rendimentos da poupança.

Quantas noites em claro e solitárias. Não via diferença entre o filho de um um ano e meio e o pai de 72 anos. Ambos frágeis e dependentes dela. Ao passo que Luan começava a pronunciar algumas palavras, o pai se fechava em total mutismo. O Mal do século estava aniquilando o Sr. José.

Luan quando nasceu encheu de alegria a vida da Luísa. Mesmo depois do divórcio, aquele menininho colocava sempre um sorriso em seu rosto e em sua alma . Por ter que dispensar cuidados com pai, embora amasse demais o filho, Luísa sentia que estava negligenciando o menino, e isso a fazia infeliz.

Não estava conseguindo ser boa mãe nem boa filha. O pai tinha alucinações, ficava agitado, e algumas vezes até agressivo,  por isso precisava de atenção redobrada. Certa vez ele pegou um garfo e partiu para lhe atacar dizendo que Luísa era um assaltante. Só depois de muita conversa e paciência, Luísa conseguiu acalmá-lo.

Por isso Luísa não tinha coragem de pedir ajuda a nenhum amigo, a ninguém.  Sabia que só alguém que ama muito seria capaz de cuidar de um portador do mal de Alzheimer. Geralmente só a família que conheceu a pessoa saudável preserva o amor pelo doente. Ainda assim, alguns momentos Luísa também sentia aversão por estar vivendo tudo aquilo.

Apesar de toda dificuldade, Luísa fazia tudo por amor ao pai. Era o mínimo que poderia fazer em retribuição por anos de amor e atenção que recebera dele. Tudo o que lhe fizesse ainda seria pouco. Movida a esse sentimento é que Luísa suportava todos os maus momentos. Sentia que com o Mal de Alzheimer, com cruel doença do pai, aos poucos ia se tornando uma pessoa melhor, mais humana. Exercitava a paciência, a compaixão, e começava a rever conceitos, assim crescia interiormente. Nunca imaginou que de um mal poderia se tornar uma pessoa melhor.

Por conta da doença do pai, Luísa havia perdido o namorado que tanto amava. O rapaz não teve a sensibilidade de compreender esse momento. Aliás, sempre que Luísa tinha a chance de conhecer alguma pessoa interessante, ao lhe visitar, seus pretendentes davam uma desculpa não voltando mais. As esquisitices da doença, a incontinência do pai que, muitas vezes tirava a fralda no meio das visitas, era constrangedeor e afastava qualquer chance de um novo relacionamento.

Quando tudo parecia sem esperanças, numa das idas ao médico geriátrico do pai, Luísa conheceu Dr. Félix, cuja mãe sofria do mesmo mal que o Sr. José. Entre confissões de embaraços que enfrentavam, Luísa e Félix descobriram afinidades entre si. Um sorriso voltava a surgir na face daquela mulher. Félix demonstrava alegria na companhia de Luísa.

Ao fim da consulta do pai, antes da Luísa ir embora da clínica, Félix entrega seu cartão para ela, que ficou muito feliz. No cartão Luísa vê além do telefone privado do rapaz, ela exerga para ambos, possibilidades.