SUZANA
Os dias corriam quentes e úmidos. Era época de chuvas na distante Ariquemes, estado de Rondônia. Eu andava contente pois tinha ganhado de um amigo que partira, um cão da raça Dobermann, quer dizer, na verdade era uma cachorra e se chamava Suzana.
Suzana tinha cinco meses de idade. Era quieta, mas de uma quietude triste, até seu pelo, muito preto e reluzente, dava a impressão de tristeza. Me olhava de um modo que eu não sabia distinguir se era melancolia ou indiferença. De uma coisa eu tinha certeza, não era alegre como todos animais jovens, mas tinha a dignidade de quem sofreu e aprendeu cedo. Mais tarde fiquei sabendo que esse meu amigo batia nela, dizia que ela devia ser domesticada enquanto fosse nova, só assim obedeceria ao primeiro comando. Não concordei com ele,mas ele já estava longe e a mim restava apenas tentar fazer com que ela confiasse em mim.
À noite, Suzana se recusava terminantemente a dormir fora de casa. Com pena, eu deixava que dormisse num canto do quarto. Com isso, tive que me resignar ao hábito do triste bichinho.
Todas as manhãs, às cinco horas em ponto, dia quase claro por aquelas bandas. Suzana acordava e pata-ante-pata vinha até minha cama, que era coberta por um mosquiteiro cor-de-rosa (os mosquitos da malária eram realidade), e, com cuidado de quem sabia da delicadeza do tecido batia de leve no meu braço para me acordar.
Eu abria o olho e me deparava com dois imensos olhos pretos me implorando para levá-la para fora e assim, lá ia eu pro quintal com o sono ainda estampado no rosto, os cabelos revoltos e o corpo ainda preguiçoso.
Suzana rodopiava, corria ao redor da casa, brincava com o vento, com as sombras durante uns bons minutos, depois sossegava e ia, cabeça baixa, para seu canto e com o focinho descansando sobre as patas dianteiras esperava sua tigela de ração.
Certa manhã, por obra de algum desavisado, o portão do pátio que dava para a rua ficara aberto. Quando me dei por conta do ocorrido Suzana já estava na esquina! Até eu dar os primeiros passos e a minha garganta emitir o nome dela num grito, ela já estava na esquina da segunda quadra!
O sol, a essas alturas, já brilhava no pelo reluzente dela e nos meus cabelos ao vento! Era Suzana correndo pelas ruas adormecidas e eu desorientada, aos trotes, chamando por ela.
Não sei quanto tempo se passou entre sua fuga e minhas mãos agarrando-a a muito custo. Só sei que pela primeira vez, vi a alegria estampada nos olhos cor de êbano dela e, por certo, alguém deve ter vislumbrado, nos meus, a vergonha por estar de camisola transparente, carregando Suzana de volta para casa.
Leila