Eco

Era um fim de tarde qualquer, um dia bonito como tantos outros daquele outono, não havia nuvens no céu, e noite de lua cheia já se anunciava no vento fresco e leve. As árvores nuas, e as folhas caídas entre pedras da rua combinavam lindamente com o alaranjado sol que se punha nas colinas, e isso era melancólico. Não havia nada alem de voltar à casa e ver o sol se por da varanda, e comprovar que a paisagem era minha única companheira. Vaguei, ao invés, pelas ruas estreitas e movimentadas do centro antigo, e junto com a multidão me perdi, esperando que tantas almas juntas me fossem melhor que as colinas e o poente.

Um raio de luz dourado-bronzeado, por entre a arquitetura sóbria, iluminou uma menina, ela tinha panfletos na mão, mas não os distribuía, apenas observava os que estavam a passar. Ela era bela, e me deixei encantar pela aquarela pintada a mão, de sol e de menina. A menina então me olhou, percebeu que eu a olhava, e me devolveu o sorriso. Continuei minha rota que oportunamente se encontrava com ela, e ela então me estendeu a mão, e me ofereceu um de seus panfletos. Era uma prostituta, eu não havia reparado, mas ela estava vestida como aquelas menininhas com pose gótica, com botas militares, meias sete-oitavos listradas de preto e transparência, uma saia xadrez em preto e cinza, uma camiseta pequena, preta, e cheia de babados escondida pela jaqueta jeans. O cabelo liso, negro noite, e curto combinava divinamente com sua pele neve, e os olhos cor de céu, as unhas negras e descascadas combinavam com a luva sem dedos que me estendia a oferta de seu corpo. Mesmo assim, eu não me adaptei bem a idéia de que aquele rostinho bonito de 15 anos pudesse ser uma prostituta, também me era estranho à uma gótica um sorriso tão gentil, ela parecia mais uma doce filha para mim, que uma mulher.

Eu sorri para ela ao perceber os serviços que ela me tinha oferecido, ela me olhou nos olhos, como se esperasse o meu sim.

-Uma pena, você é adorável, mas, não, obrigado.

-Será divertido. – Ela replicou de maneira inocente como se não houvesse maldade no que ela me propunha.

-Não quero diversão, ela não me faz sorrir. – respondi estendendo de volta o panfleto.

-Eu gostei de você. – respondeu ela novamente de maneira inesperada, e com a mesma inocência de sempre; ela não pegou o panfleto, e eu estava rubro.

-Você diz isso para todos. – repliquei oferecendo com mais ênfase o panfleto de volta a sua dona.

-Só falo para os bonitinhos. – ela colocou o bilhete na palma de minha mão, e fechou os meus dedos, dizendo com o gesto que o panfleto era, agora, meu. O jeito suave e inocente dela, em contraste à fantasia me deixava envolvido a ela.

-Diz para todos, porque eu não sou bonito, e sei disso. – foi em tom de fim de conversa, tanto que me virei e tentei prosseguir.

-Eu te entreguei o bilhete – disse ela. Eu parei, era verdade, ela tinha me escolhido, mesmo que eu é que tivesse a escolhido ao admirá-la, ela me estendeu o próprio corpo por que quis, mesmo assim, isso não me convencera.

Ela saltitou enquanto eu pensava, e de repente, ela estava pendurada sorrindo no meu braço esquerdo, parecia ser só uma alegre menina.

-Só me entregou por que eu poderia pagar. – foi minha réplica.

-Não. – Ela não disse nada para argumentar, mas o seu jeito sincero de dizer parecia, à ela, definitivo, e eu me convenci de que não poderia me livrar dela daquela maneira.

-Não acredito em você.

-Mas eu acredito em você. – respondeu ela na mesma linha, e que vocação ela tinha para respostas inesperadas.

-Você é boa – elogiei-a delicadamente e continuei:

-Mas eu disse que não queria sexo – respondi estando algo entre o encantado e o impaciente.

-Sim, e daí? – respondeu ela insinuantemente.

Aqueles olhos azul céu estavam me convencendo, na verdade desde o inicio ela vinha de pouco a pouco me levando nos seus dotes de prostituta.

-Vou te querer por toda a noite, e não vou pagar mais que dois programas, certo? – ela poderia fazer vários programas em uma noite, ou nenhum, minha proposta era de bom tamanho, só que eu ainda não queria levá-la.

-Isto é chantagem, pague por hora. – disse ele com cara menos infantil, mas ainda doce.

-Tchau, então. – tentei me livrar dela.

-Quatro? – birrou ela infantilmente.

-Não quero sexo, quero a companhia. – continuei hostilmente.

-Três? – continuou ela

-Não – respondi seguindo meu caminho.

-Hunpf, feito em dois. – disse ela acelerando o passo para me acompanhar.

Usei aquela menina para o que eu queria, passeei com ela pelas ruas estreitas, olhei algumas vitrines, mas não consegui manter um diálogo com ela, eu simplesmente não tinha o que conversar com uma prostituta. Havia me arrependido do que eu fiz. Em uma rua qualquer, eu olhava um pintor caricaturando as pessoas que o pagassem, e eu reparei que minha acompanhante estava fixada olhando para um florista, que vendia flores no parque, puxei-a até ele e pedi uma rosa vermelha, ela não disse nada, apenas apontou para uma rosa branca. Pedi, então, que me desse uma branca e não a vermelha, e ela apontou para a vermelha, eu, então, pedi uma de cada. Ela cheirou uma rosa de cada vez, ela sorria lindamente. Ela segurou a minha mão quando fomos andar, entendi que foi o modo dela de agradecer.

Em seguida, observei-a olhando um casal de namorados que enamorava-se em um café, ela de novo ficava deslumbrando, apenas, os dois e nada dizia. Eu fui, então, para um restaurante que eu adorava, e jantei com ela no terraço vendo as estrelas brilhantes e lua viva e cheia. Ela começou a falar, das estrelas, da lua, de coisas interessantes ao nosso redor. Quando dera então meia noite e o eu percebi que os sorrisos que eu e a estranha gótica trocávamos iriam se acabar em seis horas e fiquei meio sentido, aquelas horas tinham passado rápido demais.

Levei-a a meu apartamento e antes de começar a degustá-la em sua especialidade, peguei as sobras de um whisky e a ofereci, conversamos mais um pouco sobre ela:

-Qual o teu nome? Não quero te chamar de “a gótica” enquanto transo com você. – ela se calou, não queria responder, e eu percebi.

-Tudo bem, não precisa... – eu ia fugir da pergunta para ela, mas ela se atravessou e respondeu:

- Eu me chamo Eco. – disse ela sorrindo.

- E quantos anos a Eco tem?

- Não se pergunta isso a uma dama – disse ela gentilmente

- Tu não era a prostituta?

- Sou a Eco. – disse ela de uma maneira tão delicada e infantil, ao entortar o rosto como um cão.

Terminada a bebida, fizemos o que o panfleto dela oferecia, e ela o fez de uma maneira muito vivaz, foi enérgica, não foi passiva, tomou muitos dos movimentos para si, e não parou um momento se quer de contrabalançar o ímpeto genital e o afetivo. Eu tinha pagado por companhia, e ela levava isso muito a sério, não me deu só sexo, mas me deu uma noite a dois. Terminada a seção, eu me levantei, e fui até a carteira, pegar o que eu lhe devia, mas ela me impediu:

- Você vai pagar por duas, use-me por duas vezes. – disse ela como se fosse a coisa mais natural do mundo.

Convidei-a para tomar banho, e percebi que já me tornara íntimo dela ao notar a admiração dela pela banheira, e por isso, a ofereci, não a ducha, mas um banho de banheira com sais e sexo. Quando ela se levantou da banheira eu reparei uma coisa, Eco era uma anja, tinha em suas costas tatuadas duas asas enormes que iam dos ombros às nádegas. Perguntei porque as tinha desenhado:

- Nem todos tem passado e futuro, Eco não os tem. – ela respondeu.

- De que passado e futuro pertencem as asas? – perguntei.

- Da menina para quem tu sorriu. – disse ela melancólica.

- E para que a menina tem asas?

- Para se lembrar que ela não pode voar.

- Mas ela está voando, eu a vi voar olhando a lua cheia. – respondi, me referindo aos minutos que ela olhou a lua do modo que olhou as rosas, mas eu não podia dar a lua à ela, dei-a o máximo que eu pude, que foi dar um minuto dela e da lua à sós.

- Eco pode voar, não a menina. – respondeu ela.

Ela me calou, não queria mais perguntas, enfiou a boca dela na minha e me levou do banheiro para a varanda e fizemos de novo, mas agora à luz das estrelas. Depois disso, eu me deitei no sofá afim de recuperar o fôlego, ela se aninhou em meu colo, me acariciou, me ninou até que nós dois dormíssemos. Ela dormiu primeiro, dormiu parecendo uma menina que acredita em contos de fadas. Depois eu me adormeci, esperando que ela estivesse lá pela manhã para receber por seus serviços.

Eu me enganei, não havia ninguém em meu apartamento, Eco se fora, e não tocara na minha carteira. Havia, porém, uma carta em cima da mesa, e a rosa branca junto à carta:

"Muito obrigada pela noite de ontem,

Pelas rosas

Pelas estrelas e pela Lua

Pelo banho

Pelo ninar que me deu

Eu tentei ao máximo ser o que esperavas de mim

Tentei ser a namorada que tu querias

Não sei, nem saberei se eu fui competente. Eu não faço isso.

Mas tu me deu o que eu quis

Naquelas poucas horas, me deu o improvável, o único, o lirismo

Me deu as asas eternas que a Menina não tem

Deu a Eco a eternidade

Início, meio e fim

A “menina” agradece por mais esta ópera"

Com amor

Eco