Aproveite o dia

“Acorde, minha linda”. – disse isso e beijei-lhe a testa. Ela abriu os olhinhos, que estavam apertados, e sorriu para mim. Assim começava um ótimo dia, mas um dia que não poderia ser perfeito.

Pedi para que ela se trocasse e fosse lavar o rosto. Eufórica, logo calçou suas pantufas e correu para a suíte. Estava tão feliz! O motivo era que o tão esperado dia de passeio no parque havia chegado. Vê-la animada me contagiou, e um pequeno sorriso melancólico surgiu.

Desci para a cozinha para preparar o café da manhã. Algumas frutas, cereal, leite e biscoitos. Tudo que ela adora. Minha lindinha vai precisar de muita energia. Arrumei também alguma coisa para levarmos ao piquenique.

- Já está pronta, meu amor? Desça para comer.

- Estou descendo, papai.

Ouvi os passinhos apressados vindo em minha direção. Estava com seu vestidinho preferido, o roxo, que ganhara mês passado. Ainda usava as pantufas. Seu sorriso logo iluminou todo o ambiente. O olhar, meigo e tímido, cativava qualquer um. Tinha os olhos da mãe. Não só eles. Os cabelos levemente enrolados, e o nariz feito à mão, me faziam lembrar de Melinda.

- Estou pronta, papai.

- Estou vendo, querida. – respondi com um sorriso – E está linda!

Ela sorriu e disse que estava com fome. Coloquei-a na mesa e tomamos o café juntos. Observá-la comendo me trazia uma alegria diferente. Estava tão contente, mas meu coração insistia em sentir dor.

- Eu posso brincar no parquinho? – perguntou receosa.

- Claro, meu amor.

- E nós vamos dar comida para os patos? – Agora mais animada. Ela amava patos.

- Vamos sim. – respondi mostrando a ela um saco com pães. – Vamos dar todos estes.

Ela sorriu, mas logo murchou.

- Queria que mamãe também fosse.

- Eu também. Mas eu já te disse que ela teve que viajar. – levantei-me da mesa – Vamos, senão iremos nos atrasar.

Abri a porta de trás do carro e a coloquei sentada. Dei a partida e fomos para o parque da cidade.

Beatriz estava tão contente! Pelo espelho retrovisor eu podia vê-la animada, cantando. Ela também me viu, e sorrimos um para o outro. Fazer algo com minha filha sempre foi muito agradável, mas hoje isso tem um sentido muito maior. Não costumava sentir tanto prazer em coisas que parecem simples. Lição muito valiosa que aprendi agora.

O dia estava bonito e o trânsito leve. Reparei num casal que passeava com duas crianças. Os meninos corriam na frente, brincando. Pareciam bem contentes. Não muito tempo depois, cerca de uns quinze minutos, chegávamos ao parque.

O estacionamento era caríssimo. Fiz uma cara torta, mas paguei sem reclamar. Beatriz desceu correndo. Estava muito animada. Há muito tempo ela tinha vontade de fazer esse passeio.

Peguei as coisas no porta-malas e entramos. Ela corria na frente me puxando pela mão.

O lago com os patos foi a primeira coisa que ela viu. Demos comida para eles, como prometido. Ela ficou curiosa vendo como eles nadavam e riu quando dois patos brigaram pelo mesmo pão.

Demos algumas voltas no parque e encontramos colegas de escola de Beatriz. Ela andava muito feliz de mão dada comigo. Eu nem posso descrever o que sentia.

Continuamos passeando e a barriga de Beatriz fez um barulho. Ela olhou para mim envergonhada, mas antes que eu pudesse falar, a minha também roncou. Rimos juntos e procuramos um bom lugar para o piquenique.

Após comermos, Beatriz quis um sorvete de morango. Esse era o sabor predileto de Melinda. Notei que durante o piquenique, Beatriz olhava para as outras crianças que estavam com seus pais e mães. Antes que pudesse se entristecer, sugeri o parquinho. Ela logo se animou, e foi correndo para o escorregador.

Eu a via se divertir e brincar, enquanto seu vestido mudava de cor.

- Papai, me empurra? – Perguntou enquanto se sentava no balanço.

Dei um leve empurrãozinho, e enquanto ela embalava, gritou “Mais forte! Mais forte!”, e soltou uma deliciosa gargalhada.

O seu cheiro, o cabelo, o olhar, o riso... me faziam ver Melinda bem na minha frente. Eu podia jurar que ela estava ali! Lembrei-me de quando passeamos juntos no parque anos atrás. De quando nos sentamos e pensávamos em nosso futuro. Vimos outras crianças e rimos imaginando os nossos filhos.

A dor apertou meu peito e novamente aquele riso melancólico voltou. Lembrei da nossa promessa de viajarmos o mundo todo, de ficarmos juntos para sempre e...

- Papai!

Despertei de minhas lembranças e olhei para Beatriz, que estava um pouco triste.

- Papai, pra onde mamãe foi? E quando ela volta? Queria que ela estivesse aqui.

“Eu também minha linda, eu também. Eu não sei para onde ela foi. Na verdade, ela está há sete palmos de terra”.

Esqueci-me de tudo a minha volta. Comecei a rever as imagens do meu passado junto de Melinda.

“Está a sete palmos... Está dentro de um caixão de madeira úmida”.

- Querido! Eu te amo!

- Eu também te amo, Melinda. – Peguei-a pelos braços e rodamos enquanto riamos.

“Presa, sozinha. Seu cabelo ainda está crescendo, mas não tem o brilho de antes”.

- Melinda! Olha o que eu tenho para te dar!

- Meu amor! Deve ter custado uma fortuna!! Muito obrigada!

“Sua pele não é mais macia. Seu sorriso, que me fazia esquecer de qualquer problema, se foi”.

- Beatriz! Se tivermos uma menina o nome dela vai ser Beatriz!

“E seus olhos lindos, que eu gostava tanto, nunca poderão ver a menina linda que nossa filhinha está virando”.

“Por quê!? Por que fez isso comigo? Você sabe que eu não posso agüentar! Não é justo! Por que me deixou sozinho? Sinto tanto sua falta. Queria tanto que você estivesse aqui, meu amor. Que saudades!”.

Algumas lágrimas desceram pelo meu rosto. Engoli o choro num esforço horrível. Empurrei minha lindinha mais uma vez, e vi como ela estava feliz agora. Escondi então toda minha tristeza e dor em meu sorriso. Hoje, nada pode estragar esse dia perfeito.