FIDELIDADE À MODA ANTIGA

O analista está sozinho em sua sala, absorto na leitura de um romance policial, quando ouve baterem à porta. Guardando o livro na gaveta, ele convida, já sabendo de quem se trata.
- Entre, dona Magnólia!
Aparece no limiar uma senhora elegantemente vestida, segurando um par de luvas. À primeira vista dá-se a impressão de ser tímida ao extremo.
- Sente-se, por favor!
- Obrigado, dr. Gentil!
 
Ela acomoda-se, ao mesmo tempo em que tira o chapéu, soltando os cabelos avermelhados e maleáveis.
- D. Magnólia, tenho uma boa notícia para lhe dar. Examinando a sua ficha, comparando as situações desde que a senhora entrou pela primeira vez por aquela porta até agora, cheguei à conclusão de que está realmente curada.
- Oh, dr. Gentil, como fico feliz. Mas o sr. nem parece analista de clínica particular. Está me dispensando.
- Não há mais razões para continuarmos com as sessões de análise, visto que a sra. eliminou de sua vida todos aqueles problemas.
 
Magnólia, ouvindo-o afirmar com tanta convicção, mergulha-se em reflexões. Reflexões de uma época que já estava quase apagada de sua memória.
- Olha que já era tempo de ouvir isto. Eu já nem me lembro de quando comecei a fazer análise. Parece que naquele tempo eu era casada com o Marco. Não, com o Marcelo, acho eu. Bem, deixe-me ver... Com o Marcelo? Não, acho que era com o Carlos Alberto. Ou não? Sei lá! Só sei que todos os maridos que tive viviam brigando comigo por isso. Ainda bem que todos eram ricos, senão...
Gentil, vendo-a calada, interroga-a:
- Está feliz por não ter que voltar mais aqui?
- Feliz? Eu? Acho que sim!
- A sua fisionomia diz exatamente o contrário. Não confia mais em mim?
- Confio.
- Não minta, por favor!
Repreende-a, brincalhão, encaminhando-se para um fichário de onde retira a pasta de anotações da cliente, voltando a se sentar novamente.
- Vou propor uma coisa. Vamos recapitular todos os seus conflitos, desde o primeiro, para provar que tenho razão quando digo que a sra está realmente curada.
- Desde o primeiro mesmo, dr.?
- Algum problema?
- Não. Nenhum. Mas eu acho que tem conflito aí, que de tão velho, já deve estar andando de bengala.
O psicanalista sorri mostrando os dentes amarelados pelo fumo. O movimento dos maxilares acentua ainda mais as rugas ao redor dos olhos negros.
 
- A sra é muito engraçada. Ainda não perdeu esta sua mania de jogar com as situações, hein? Vamos, topa uma recapitulaçãozinha?
- Pode ser.
- Então vamos lá. Primeiro: o motivo que a trouxe aqui da primeira vez foi o fato de não conseguir ser fiel ao seu marido. Estou certo?
- Está.
- A sra tinha um caso com outro homem. E o medo de seu marido descobrir tudo a deixava em pânico. Estou certo?
- Em parte.
- Como “em parte?”
- Naquele tempo, dr. Gentil, tive vergonha de confessar. O fato é que eu tinha vários casos.
Envergonhada pela confissão, ela aperta a aba do chapéu, abaixando as vistas. Gentil, por sua vez, admirado, dá um tom de censura brincalhona à voz.
- D. Magnólia!
Silêncio entre os dois, depois disto. Entretanto, não dura muito e Magnólia rompe-o
- Desculpe, Dr., mas naquela época me faltou coragem de contar toda a verdade.
Gentil tranqüiliza-a.
- Tudo bem. Esqueça. Depois que o seu marido a abandonou, a sra adquiriu a mania do roubo, quer dizer, passou a manifestar o comportamento cleptomaníaco, visto que não tinha necessidade de roubar.
Magnólia, diante da conclusão, sente vontade de rir. Contudo, se contém:
- Essa eu não conto pra ele. Não era nada de comportamento cleptomaníaco não. Eu roubava mesmo. Meu marido me deixou na miséria. O que a coitadinha de mim iria fazer, assim sozinha, sem alguém para custear as minhas viagens, roupas caras, jóias, ai... shopping é uma tentação.
 
Seus pensamentos ao interrompidos pelo analista, que volta a falar, brincando com uma caneta.
- Outros problemas surgiram, juntando-se a esse. Aquele rapaz das escapadinhas – um tal de Carlos – também a abandonou. O interesse dele era ser amante de uma esposa rica. E como a sra não tinha mais nada, acabou.
Com estas palavras Magnólia recorda de como foi doloroso aquele fim. O rapaz gritava, atirando violentamente as palavras no rosto dela.
- Não quero mais saber de você! O que pensava, que eu a amava? Agora que não tem mais nada, ainda quer que eu fique com você?
Correndo atrás dele, de braços abertos, Magnólia ainda tentou faze-lo entender.
Carlos, você não tinha o direito de fazer isso comigo. Me enganou todo esse tempo.
- E você, não vivia enganando o seu marido?
- Mas eu te amo!
- E eu amo o seu dinheiro. Volte para o maridinho rico ou arranje um outro trouxa cheio de grana. E tudo será como era antes entre nós!
 
De volta à realidade, Magnólia constata.
- Aquele cavalo só estava interessado no meu dinheiro.
- E para afogar as mágoas, a sra se tornou uma alcoólatra.
- Eu tinha insônia, provocada pela minha falta de sorte com os homens. Depois, descobri que o álcool me dava aquela sensação de leveza, ajudando-me a encarar os meus problemas com mais coragem.
- Em tudo isso existe certo aspecto positivo. A embriaguês lhe dava sono e fazia com que permanecesse em casa, sossegada...
O pensamento de Magnólia voa novamente. E ela confessa a si mesma.
- Isto é o que ele pensa. Depois de uma biritas, eu saía pela noite dirigindo em alta velocidade, com a cabeça nas nuvens. Muito ânimo e muito feliz da vida, à cata de romances. Havia sempre homens... e mais homens e mais homens... Ai... Como era gostoso aquele tempo.
 
A voz grossa e calma do dr. Gentil, mais uma vez, põe fim àquele devaneio.
- Ainda bem que logo tudo se ajeitou. A sra casou com o dr. Jorge Paulo, não foi? O alcoolismo acabou.
- Em parte sim.
- Sempre digo que a bebida, nesse caso, é uma fuga, o medo de encarar a realidade.
- Nisso o sr. acertou.
- Só nisso?
- Não. Acertou em tudo.
- Ainda bem.
 
Magnólia recosta-se um pouco na poltrona. E olhando abstrata para os luxuosos móveis da sala, conclui calada.
- Como é fácil enganar um analista. Ele pensa que depois do meu casamento com o Jorge Paulo parei de beber. Aí é que passei a beber. Beber uísque importado, bebidas caríssimas. Cerveja? Nem morta. Cerveja é bebida de povão, de gente pobre, de pagodeiro. Eu era a esposa de Jorge Paulo Ferreira de Mendonça Oliveira Salgado Mendes Filho, o Diplomata. Imaginem se iam me ver por aí, num barzinho, num churrasco, tomando cerveja.
 
Gentil, vendo-a tão abstrata, solta bruscamente a caneta sobre a mesa, o que a faz retornar da divagação. Novamente a voz do analista soa, agora num tom bem mais baixo do que o anterior.
- Mas voltou o comportamento ninfomaníaco. A sra se apaixonou por um garotão.
- Quem? Não me lembro desse guri, doutor.
- Aqui está o nome dele: Fernandinho.
- O Fernandinho! Garoto danado, aquele. Ele me obrigava a dar a ele de tudo, desde prancha de surf ao sexo. Imagine, quando conheci o Mário e resolvi terminar com o tal do guri, foi a maior confusão. Ele até contou para o meu marido. Minha sorte é que o meu marido era um homem público e assim me vi livre do escândalo. Mas logo o Jorge Paulo pediu o divórcio. Ele não aceitava ser traído pela esposa nem em pensamento. Bobão! Mas tudo bem. Eu até gostei.
Gesticulando muito, Magnólia cruza as pernas com sensualidade e entreabre os lábios. Fita o analista à sua frente, sorrindo ligeiramente, meio enigmática. Os olhos azuis e brilhantes flutuam inquietos.
- Logo o meu romance com o Mario deu em nada e numa festa que uma amiga fez em minha homenagem, conheci um senador que fez a minha cabeça virar. Estava loucamente apaixonada, assim, de repente. E minha chance de viver um novo amor veio na hora.
- Veio também o seu desquite com o dr. Jorge Paulo Ferreira de Mendonça Oliveira Salgado Mendes Filho.
- E vieram também muitos outros homens.
- Muitos?
- Depois do embaixador, aliás, antes, eu estava com o Mário. Dr Gentil, as coisas são complicadíssimas na minha cabeça. Logo apareceu o senador e o Mário e o Fernandinho dançaram.
- Dona Magnólia, a sra não me contou toda a verdade.
- Eu tive medo de que o sr. pensasse mal de mim.
 
Gentil cruza os dedos, apoiando os cotovelos na mesa. Alisa o espesso bigode e esclarece.
- A minha função, aqui, não me permite fazer mau juízo dos meus pacientes. Só tenho que orientar no sentido de...
- Eu sei.
Pausa. O analista lê as anotações. Em seguida:
- Logo depois do seu desquite, o que aconteceu com os seus amantes?
- Por favor, dr, não me fale esta palavra “amante”.
- Por que não? Amante, de quem ama.
- É por isso mesmo. Aqueles canalhas não me amavam. Só queriam o meu dinheiro!
Chora, levando a ponta do lenço aos cantos dos olhos. O analista se aproxima e afagando-a pelos ombros, pede, quase sussurrando.
- Acalme-se, por favor!
 
Magnólia estremece com aquele hálito quente que vem de encontro à sua nuca e ergue os olhos azuis imersos em lágrimas. Gentil, percebendo a reação dela, volta a se sentar enquanto ouve-a desabafar com voz excessivamente trêmula.
- Bem feito pra eles. Logo conheci o Rogério que ficou louco por mim.
Ouvindo mais esse nome, Gentil consulta as anotações. E afrouxando o nó da gravata, afirma.
- Esse nome não consta nas minhas anotações.
- Devo ter esquecido de contar ao senhor.
Fala baixo, dando a impressão de estar envergonhada. Depois, mais alegre e gesticulando desordenadamente...
- Eu fiquei com uma pensão altíssima do meu marido – o Embaixador – e o Rogério estava apaixonadíssimo por mim. Vivíamos felizes.
Interrompendo-a, Gentil contém esta nova exaltação.
- Tem aqui registrado um nome: Walter. Houve problemas com o relacionamento de vocês. Com a esposa, para ser mais exato.
- O Walter...
Descruza as pernas lentamente e abana-se com o leque japonês, revirando os olhos.
- Como a gente engana a gente mesma. Eu pensava que estivesse louca de paixão pelo Rogério – até emprestei a ele um dinheiro para comprar um apartamento – quando me aparece o Walter e tudo vai por água abaixo. O que atrapalhou foi a esposa dele, pois logo descobriu o nosso romance. Então decidi: não queria ser a outra na vida de ninguém. Assim, resolvi sair com um Paulista chamado Lantino – nome esquisito – que vivia dando em cima de mim. O tal Lantino logo foi transferido para São Paulo. Dei graças a Deus. O meu coração já estava agitadíssimo por um guri louro que passava toda tarde na minha rua, indo jogar futebol. E assim que me vi livre, corri para os braços dele.
 
Magnólia toma fôlego, para em seguida continuar narrando.
- Todos os meus amores passaram pela minha vida rapidamente. Assim que me divorciei do Embaixador, casei-me novamente. Eu não suportava a idéia de ser título de filme: “A Mulher Descasada” Nunca!
Falando, ela ergue os braços, deixando cair as luvas. O analista, não dando importância à evasão, pergunta:
- Ficou tudo resolvido com o Walter?
- Claro. Ele reatou com a chata da esposa. Nunca mais nos vimos. E eu, nessas alturas, já estava de romance com Lantino, como acabei de contar.
- Durou muito?
- Menos de uma semana. Até eu faturar aquele garotão, jogador de futebol.
Teatralizando, Magnólia se levanta da cadeira e vai até à janela. E olhando languidamente através da persiana entreaberta, e dando um colorido de espetacular à voz, confessa, como se à sua frente estivesse uma platéia.
- Como eu gostava de ser uma bola naquelas mãos! Como gostava! Ah meu jogador! Como arrancava suspiros do meu peito. Como me fazia amor! Aquele grotão arrancava tudo de mim. Até da minha conta bancária.
 
Gentil, com um meio sorriso e sem dar importância ao sensacionalismo da cliente, continua.
- Havia um desses que batia na senhora. Vejamos se recorda.
- Era o Armando. Depois que assistiu o “Império dos Sentidos”, o homem ficou maluco. Queria porque queria me amarrar a garganta, enquanto eu enfiasse as unhas nas costas dele. Mas eu protestei. Eu, hein? Morrer enforcada por um triz? Não! Ainda não aproveitei nada da vida – falei.
- Esse Armando foi logo embora?
- Tão logo me encontrou na cama com o Otávio. Fiz de propósito. Nem conhecia o Otávio direito. Ele vivia dizendo que estava apaixonado por mim. Então resolvi me vingar do Armando.
Fingindo surpresa, Gentil confessa.
- Eu não conhecia essa passagem de sua vida. Esqueceu de me contar?
- Acho que sim. Também, era tanta coisa. Esse Otávio me deu o maior trabalho. Foi preciso me encontrar com o Caio pra desistir de mim. O danado queria levar o caso a sério. E pensar que dormi com ele somente por alguns minutos.
 
Debruçando-se na mesa, Gentil interroga-a.
-D. Magnólia, a sra teria condições de me dizer quantos homens já passaram por sua vida?
- Não, dr., Gentil. No colégio, sempre fui reprovada nesse negócio de continhas. Agora, se o sr. quiser saber os nomes deles, posso me esforçar por lembrar porque assim lembro também de como era bom estar nos braços...
Sem encará-la, ele faz um gesto com a mão direita interrompendo-a.
- Deixe pra lá!
Em seguida, virando a folha da pasta, lê um pouco, enquanto ela espera, observando-o meio intrigada.
- Hum... aqui tem registrado um nome: Ivo.
- Ivo?
Ela procura relacionar o nome com a pessoa. Após alguns instantes consegue.
- Já havia me esquecido desse. Foi logo depois do Caio.
E tirando um cigarro do maço...
- Um dia ele chegou com uma caixa: “Um presente pra você, meu amor” – falou, naquele seu jeito meio besta. O sr. Sabe, eu adoro presentes. Então, morrendo de curiosidade, fui abrir a caixa... um monte de baratas, formigas e um rato saíram de dentro da...
 
Repentinamente, interrompe o que ia dizendo, ao mesmo tempo em que começa a se erguer da cadeira e gritar, como se visse um monstro pela frente. O analista sacode-a, tentando trazê-la de volta à realidade.
- D. Magnólia, o que aconteceu? Magnólia...
Ela debate-se naquelas mãos firmes que a seguram, gritando cada vez mais. Em seguida silencia, amolece o corpo e desmaia nos braços do analista, que a conduz para o divã.
- Pobre Magnólia! De todas as minhas clientes, esta é a que tem grilos.
Dá alguns passos, falando, como se tivesse alguém para ouvi-lo.
- Estamos fazendo análise há uns 10 anos e ainda me surpreendo com as reações dela. Primeiro o problema é infidelidade conjugal. Depois o alcoolismo, cleptomania, carência afetiva, rejeição, insônia. Passa as noites nos bares da vida e diz que é insônia. Quer parar de fumar, quer ser fiel. Tanta coisa!
Voltando-se para a cliente inerte no divã, chama baixinho.
- Magnólia!
Ela abre os olhos.
- Onde estou? O que aconteceu?
- Acalme-se. Está no meu consultório.
- Ah! Ainda bem! Sonhei que estava numa ilha só de mulheres. Que pesadelo horrível, doutor!
Abrindo o leque, Magnólia lamenta.
- Fiquei p... com a indiferença daquele bobalhão.
- Por que chateada?
- Ele me desprezou.
- Como queria que o rapaz agisse?
- Sei lá. Mas não liguei.
Anima-se. O rosto exprime felicidade.
- Acho que não o amava. É verdade, não o amava. Então, alguns minutos depois tomei um banho de espuma bem demorado, me penteei, botei o melhor vestido que tinha – estava chiquérrima. E saí bem fresca, como se dizia antigamente. Estacionei o carro debaixo de uma árvore no estacionamento do Shopping e entrei. Passei muito tempo olhando vitrines, quando percebi que um senhor de meia idade me seguia. Parei, fiz charme, convidei-o com um gesto. Foi assim que conheci o Osmar.
 
Gentil consulta novamente as anotações. Depois de algum tempo, anuncia.
- Dona Magnólia, vejo que tenho que comprar uma agenda de A a Z para registrar as suas conquistas. Por mais que procure e por mais que tente me lembrar, esse nome também não consta aqui – aponta para a pasta – e nem aqui – aponta para a cabeça.
- Inclua-o na lista dos esquecidos, dr. Acho que não falei sobre ele.
- Eu tenho certeza disto.
- O Osmar também era casado e também houve problemas com a esposa, mas o filho não era. O Humberto era solteiro e vivi com ele uma grande história de amor, como nos filmes.
 
Novamente extasiada, cheia de ânimo. Muito feliz mesmo. E até rindo, dando gargalhadas.
- Problema sério eu enfrentei com uma dessas mães que leem o Estatuto de Menores. Um dia uma chegou lá em casa e foi logo dizendo:
-Fiquei sabendo que você, sua sem-vergonha, está andando com o meu filho. Eu, fingindo de desentendida, retruquei:
-Andando? Quem inventou essa fofoca?
 E ela:
-Saiba que o Antônio Carlos só tem 14 anos e vou dar queixa de você à polícia como corruptora de menores.
 – Corruptora? Eu?
 – Você sim, mulher da rua, á-toa, prostituta, mundana, perua, vagabunda, cadela, meretriz, piranha metida à grã-fina, biscate.”
 
Gentil ouve, tentando segurar o riso.
- Disse-me todos esses desaforos, doutor, caminhando para o meu lado, como se fosse me bater. Doutor, aí perdi a cabeça. Avancei de tapa em cima dela. – “Então vai, sua vaca. Vai! Você está é com inveja de mim. Inveja, ouviu?”
Pára um pouco e acende um cigarro. A fumaça, compacta, anuvia o ambiente. Magnólia observa um quadro na parede, continuando a narrar o episódio.
- Então ela saiu correndo para a porta, morrendo de raiva. Eu gritei ainda: “Fique sabendo que o seu filho é melhor de cama do que o molenga do seu marido. Doida!”
 
O analista cai na gargalhada desta vez. Ri tanto que não consegue controlar o riso. Entretanto, algum tempo depois, muito sério, como se nada tivesse perturbado essa seriedade, pergunta:
- O nome do marido...
- Era Cesóstenes ou Crisóstenes. Sei lá! Não importa agora. Só sei que não valia nada. Murcho como um maracujá de gaveta.
- Então, mais um na lista dos esquecidos.
Olha-a longamente, tentando entendê-la.
- Agora conte-me. No dia seguinte a sra estava na rua à procura de novos romances, visto que diante da ameaça da mãe enfurecida resolveu largar o garoto.
Magnólia protesta.
- Vejo que como meu analista, o sr. não sabe nada a meu respeito. É verdade que dei o fora no menino, mas não corri para a rua não.
- Não?
- Não. Naquele instante decidi que iria sossegar um pouco. Iria passar um bom tempo em casa, sem ninguém.
 
Silencia e apaga o cigarro, pensativa.
- Dr. Gentil...
- Fale, dona Magnólia, não se acanhe. Fale tudo que quiser. Estou aqui para ouvi-la.
- Doutor, acrescente aí na minha ficha a palavra claustrofobia.
- Por que?
- Doutor, um dia após essa minha decisão de permanecer em casa, eu já não agüentava mais de tão sufocada que me sentia lá dentro.
- Aí correu para a rua.
- Corri. E me dei bem. Encontrei um rapaz alto e moreno, tipo atlético, o homem que toda mulher sonha, ali, perto de mim.
- O nome dele, por favor!
- Esse o sr. já tem anotado.
- Sério?
- Sim. É o meu atual marido – o Evilásio.
 
Gentil novamente consulta as anotações, batendo com a caneta na mesa. Depois observa demoradamente a cliente, que com ar ingênuo, procura saber.
- Algum problema, doutor?
- Não. Nenhum!
Mais uma vez o silêncio cai entre eles. Desta vez, porém, é Gentil quem interrompe-o.
- Do Evilásio, segundo consta aqui, é o último e atual marido da senhora. Disse-me que nunca o traiu e que ele é uma pessoa de posição respeitável na sociedade. Sente ciúmes da senhora. Não gosta nem que converse com suas amigas. Disse-me também que se sente um pouco presa na companhia dele.
- É verdade
- Também sustenta de mãos postas que nunca o traiu, como aos anteriores.
- É verdade. Nunca o traí mesmo!
- Bem... chamei a senhora aqui hoje, porque da última vez que apareceu me afirmou categoricamente a sua fidelidade, desta forma, eliminando de vez da sua vida, o comportamento ninfomaníaco. Agora, diante de tantas contradições e de tantas coisas que escondeu ou que me contou pela metade e que somente agora revelou, começo a duvidar...
- Não duvide não, dr. Gentil. Desta vez contei tudo mesmo. Eu nunca traí o Evilásio. Palavra!
- Mas... como posso acreditar? - ele afrouxa um pouco mais a gravata e acende um cigarro - Como é que conseguiu se endireitar agora?
 
Magnólia se levanta da cadeira e ergue a saia, mostrando ao analista. Ele olha, tira os óculos, estremece visivelmente. E encarando o vazio, exclama, incrédulo.
- Meu Deus... cinturão de castidade!?