A fuga tardia de Ana-2
Na manhã seguinte Ana acordou sentindo o peso de toda a viagem e decisões que havia tomado no dia anterior. Levou assustada, analisando com mais cuidado cada canto do quarto alugado. Quanto mais procurava os detalhes, mas maravilhada se sentia. Era bem a cara dela, simples, com um aspecto um pouco antigo, mas ainda assim bastante moderno, cores espalhadas como por acidente e muitas histórias para contar. Estava em casa. É, definitivamente estava em casa.
Escutou a voz de Dona Maria vindo longe, alegrou-se e cuidou de se vestir, escovar os dentes e ainda assim não se atrasar para o café da manhã.
Chegou na cozinha bastante envergonhada e foi recebida com um BOM DIA contagiante de uma senhora tão simpática e também misteriosa. Avistou um lugar reservado e pensou que seria para algum outro filho, mas não, era pra ela. Fazia muito tempo que não sabia o que era isso. Enquanto caminhava em direção a cadeira, lembrou-se de como era na sua casa.
Cada um tinha que se virar, era raro um almoço com toda a família. Ou o pai estava ocupado demais com o trabalho, ou a mãe estava concentrada demais ouvindo sobre a vida alheia. Só sobrava o irmão, mas não chegava nem a contar. Estava sempre implicando, fazendo que ela o ignorasse a maior parte do tempo.
Ficou um tempo parada de frente para a mesa arrumada para ela, até que um dos filhos de Dona Maria resolveu se manifestar:
- Olha, não fique com vergonha. Se não for isso que você gosta de comer, podemos fazer outra coisa.
- NÃO!. Eu adoro tudo isso. É que na minha casa era muito raro alguém fazer uma coisa dessas. Mais raro ainda era a gente sentar na mesa para comer juntos.
- Aqui é regra da casa todos ficarem por perto e de forma harmoniosa. Aliás, o meu nome é Gustavo, sou o filho do meio. Acredito que hoje só teremos mais a Carmen, nossa irmã mais nova. Os outros tiveram compromissos mais cedo.
- Ah, sim. Prazer Gustavo, o meu nome é Ana - falou envergonhada lembrando da sua falta de comunicação.
- Ora, minha menina, sente-se aí e vamos comer. Só estávamos esperando você e confesso que estou morrendo de fome - Dona Maria falou num tom mais alto que o normal.
A comida era tão boa, que ela podia passar a manhã toda comendo e desfrutando daquele momento tão mágico para ela.
- Que bom que você come bastante, Ana. Mamãe adora cozinhar, principalmente pras pessoas que se hospedam aqui e que ela adora. Ontem não parava de falar de você, até fiquei curioso para conhecê-la. Desculpe-me a ousadia, mas quantos anos você tem?
Ana terminou de mastigar o pão, limpou as mãos e disse:
- 22, terminei a faculdade há pouco tempo, e você?
- Faço 23 daqui há alguns dias. Logo terminarei também. Você é formada em quê?.
- Jornalismo, mas confesso que não sei porque escolhi fazer esse curso, porque sou muito tímida e tenho problemas para me comunicar. Talvez essa experiência aqui me deixa mais tranquila. E você, Gustavo, está se formando em quê?
- Psicologia, mas admito que gosto mesmo é de conhecer as pessoas. Acho que nós invertemos um pouco os papéis, não acha? - Falou com um sorriso meio inseguro.
- Essa conversa está muito séria para essa hora da manhã - berrou da ponta da mesa Dona Maria- Gustavo, cuide de terminar o café, espere a moça e leve-a para conhecer o Rio de Janeiro. Quero vocês de volta apenas a noite, cansados, felizes e com bastante fome.
Ana terminou rapidamente o café, foi até o quarto, colocou uma roupa mais adequada, jogou um caderno, caneta e a máquina dentro da bolsa e pronto. Estava preparada para sua primeira dose forte do Rio de Janeiro. Esqueceu até dos possíveis perigos e das histórias bobas que seu pai sempre inventava como desculpas para não viajar para lá toda vez que ela ou o irmão tocavam no assunto.
Quando estava saindo de casa junto com Gustavo, sentiu uma pressão enorme no peito, causada por saudades. Saudades até do irmão que implicava tanto e pedia para ser ignorado. " Como aquele
moleque faz falta" sussurrou enquanto fechava a por da casa que agora também era DELA.
O primeiro lugar que foram visitar de imeditado foi a praia de Copacabana, que estava ali, linda e encantadora como sempre. Ana não podia deixar passar nada, tirou logo a máquina da bolsa e fotografou o pedaço da calçada onde pisou pela primeira vez. É claro que o pé também apareceu na foto, afinal ela tinha que registrar a sua presença também. Gustavo ficou bastante curioso com o que ela estava fazendo e percebeu que nunca realmente deu valor ao lugar onde morava. Principalmente sendo o Rio de Janeiro. Percebeu rapidamente que a menina estava nas nuvens. Ficou feliz também e deixou-a aproveitar cada grão de areia da praia.