O bilhete literário - um conto poético
Na parede, o bilhete - congelado no tempo.
Ela lembra o momento, o exato momento em que o viu – ninguém esquece o começo do fim. Algo assim, não passa em branco, até as memórias tem cor. Nem mesmo o bilhete era branco – post it amarelo - impossível ignorá-lo.
Ela bem que tentou, por 5 minutos ou 50 anos permaneceu ali, em pé, olhando fixamente, sem reação... O amarelo "sinalizador de agonia" prendeu toda a sua atenção, mas afinal, essa era a intenção.
Ler ou não ler? Eis a questão. Post it amarelo escrito a mão.
Muita cor pra pouco papel. Muito papel pra poucas palavras. Muitas palavras pra pouco sentido. Muito sentido pra pouca coragem. Muita coragem pra ler – o tal bilhete:
“Querida, fui comprar cigarros”
Ela leu uma única vez e as palavras ecoaram em sua cabeça – zunido, tontura, angustia, amargura - com certeza o bilhete mais literário que alguém já produziu! Um paradoxo: algo assim, tão banal causar estranhamento total, jamais antes existiu!
Lágrimas rolavam de seus olhos secos. Ela permanecia imóvel, exceto pelos movimentos autônomos de seu corpo – o tremer, respirar, o doer, repensar.
Dias se passaram até que ela à rua saiu. Conduzida não gentilmente por homens de branco. Foi posta num casaco branco, num carro branco. A mente em branco - exceto pelo bilhete amarelo.
Era tarde, muito tarde quando ela enfim falou – mexeu os lábios emudecidos pelo tempo, nem lembrava como fazê-lo; a voz muito fraca. Ninguém mais lembrava o fato, ninguém ouviu ou entendeu bem o porquê, mas foi ao ver um cigarro aceso, a chama amarela caindo em brasa, que ela enfim murmurou baixinho:
“...mas ele nem fumava...”