AS FÉRIAS DA MAMÃE
09 = AS FÉRIAS DA MAMÃE
Eram uma família como muitas outras.
O Papai era muito ocupado. Trabalhava das doze as seis, de segunda a sexta, em uma repartição pública. Chegava a casa estressado por causa dos problemas do serviço, da tarde inteira mexendo com papelada, do calor sufocante, do trânsito terrível na hora de voltar pra casa. . .
Chegava,.tomava seu banho, jantava e se espichava no sofá, o jornal esparramado no tapete, lendo e assistindo televisão ao mesmo tempo.
As meninas iam à escola, estudavam (um pouco) e, nas horas vagas, telefonavam para as amigas e os amigos, batiam papo na internet ou saiam para dar uma volta..
Os meninos, vinham da escola, jogavam a mochila em qualquer lugar e passavam o resto do dia comendo guloseimas, brigando e desarrumando a casa.
A Mamãe não fazia nada. Só cuidava da casa, do marido, e dos quatro filhos.
O Papai tirava suas férias e ia para o Pantanal pescar com os amigos.
Não que ele não quisesse viajar com a família, mas, suas férias nunca coincidiam com as dos filhos. Fazer o quê ?
Nas férias escolares, o Papai estava trabalhando e a Mamãe ficava em casa com ele enquanto as crianças participavam de excursões ou acampamentos.
Mas, um belo dia, aconteceu um incidente muito desagradável.
A Mamãe voltava da feira com duas enormes sacolas. Chovia fininho. O piso estava escorregadio e, quando foi subir a escada, já na entrada da casa, escorregou e caiu de mau jeito quebrando uma perna.
O acidente lhe rendeu 2 meses de cadeira de rodas com a recomendação explícita, do médico, de não por o pé no chão.
E daí?
Pai e filhos dividiram entre si as tarefas caseiras.
A filha mais velha cozinhava, a outra lavava a louça, os meninos punham e tiravam a mesa e o Papai fazia a limpeza da casa.
Todos tinham a obrigação de arrumar sua própria cama e ensaboar e colocar na máquina a sua roupa usada.
As meninas passavam a roupa e até o Papai pegava no ferro na tentativa de passar melhor a sua camisa.
Estabeleceram, desde logo, algumas regras gerais:
Ninguém podia deixar nada fora do lugar.
Era proibido comer na sala, derrubando farelos no tapete.
Todo mundo tinha que enxugar o banheiro depois do banho.
E mais algumas regrinhas semelhantes.
Tudo isto para facilitar o trabalho que agora era de todos.
A regra número um, que ninguém podia mesmo desrespeitar, é que não podiam aborrecer a Mamãe porque ela estava dodói (quando ela sarasse podiam aborrecê-la à vontade).
As crianças se fiscalizavam mutuamente, discutiam, reclamavam, mas acabavam fazendo o serviço.
Pendurar a roupa lavada era tarefa dos garotos e as meninas monitoravam:
-Pendura essa roupa direito para não amassar!
-Deixa de ser chata. Penduro como quiser.
-Então QUEIRA pendurar direito.
-Pai! O Joãozinho sujou o chão da cozinha.
-Eu já limpei a casa uma vez e não vou limpar de novo. Quem sujou que limpe.
-Eu não vou limpar porque o Luizinho também sujou e não limpou.
-Mentira!
-Eu não sei de nada. Alguém tem que limpar !
-Eu não limpo!
-Nem eu!
-Paaaaaai!
O garoto reclamava:
-Você faz ovo frito todo dia. Sabe muito bem que eu não gosto !
-Mas eu gosto. Sou eu que cozinho e tenho direito de fazer o que quero.
O outro reclamava:
-A comida está muito salgada.
O Papai intervinha conciliador:
-Deixem de histórias. A comida está muito boa.
Enquanto isso a Mamãe, com a perna engessada espichada sobre uma banqueta, passava os dias tranqüilamente folhando revistas, assistindo a Seção da Tarde, conversando com as visitas.
Há muito tempo não recebia visitas. Todas suas amigas trabalhavam, tinham pouco tempo e sabiam que ela também era muito ocupada. O hábito de visitar-se foi pouco a pouco se extinguindo. Mas agora, caso de saúde, todas apareceram e passaram tardes alegres, jogando conversa fora.
As amigas lhe emprestaram romances para ela ler e passar o tempo. Ela nem lembrava mais há quanto tempo não lia um romance e reviveu toda a emoção de sua adolescência lendo açucaradas histórias de amor.
Todas as manhãs o marido colocava a sua cadeira na frente da casa para ela tomar um pouco de sol e ela aproveitava para ver como estavam bonitos os jardins, todo floridos.
Lembrou-se de que estavam na primavera e sorriu ao pensar a quanto tempo não parava para observar as maravilhas da natureza, sempre envolvida nas intermináveis tarefas de mulher que não faz NADA, só cuida da casa.
O marido e os quatro filhos estavam se estafando para cobrir as suas férias forçadas, mas, pelo menos, no futuro, quando alguém perguntasse qual a sua profissão, eles não iriam responder com pouco caso:
-Ela é do lar. . .
E, sim:
- Ela é DO LAR! ! !