Babel

Num constante estado de sonho, como pode a realidade se materializar? As pessoas passavam por Valmor e eram percebidas como se fossem etéreas, voláteis, possuidoras de uma imagem pouco identificável, as vozes semelhantes a um zumbido sem sentido, sons desconexos que não comunicavam coisa alguma. Esta situação já se arrastava por alguns anos desde que sua vida começou a desmoronar depois da morte de Ofélia, uma história clichê, mas o que menos nos importa é sermos originais em nosso sofrimento, o sofrimento é universal, nossa impotência talvez também seja.

Valmor caminhava apressado, pois apesar de não suportar mais nem um grama do peso que se tornara sua existência, ainda possuía obrigações a cumprir, era três e quarenta e sete, o banco estava prestes a encerrar suas atividades e as contas não podiam esperar mais para serem pagas, todas já se encontravam demasiado atrasadas, aliás, tudo à sua volta insistia em permanecer em uma situação de atraso, viver sonâmbulo possui efeitos colaterais e um deles parece ser este, um descompasso, como se os acontecimentos estivessem sempre alguns minutos atrasados, mas apenas para os que vivenciam este estado, externamente a vida segue seu tempo normal. Ou será internamente?

Quanto mais corria menos conseguia avançar em seu trajeto até o banco, a impressão era de que a cidade também andava na mesma direção e nesta disputa ela estava vencendo, os minutos passando, o caminho aumentando e não diminuindo, enfim, a agência bancária é avistada e muito vagarosamente se aproxima, Valmor desiste de sua luta, então a cidade se movimenta em sua direção, os obstáculos são muitos, pessoas e demais objetos a serem desviados tornam o caminho tortuoso, nem tudo está perdido, sua mão alcança finalmente a porta giratória; cercado de sons e rostos estranhos, um se destaca entre eles, lhe parece familiar, o tempo congela, os transeuntes, os carros, tudo permanece onde está, então se dá conta de que não conhece aquela cidade e nem o idioma falado por aquela gente agora imóvel, mas reconhece aquela pessoa parada do outro lado da rua, é Ofélia, que também lhe observa com um ar espanto, mas estes segundos são curtos, tudo retorna a seu movimento, mas desta vez em sentido contrário, Valmor é puxado para fora do banco.

Do outro lado da rua Ofélia não acredita na visão que acaba de ter, ainda está sofrendo com a perda de seu amor, mas não acredita neste tipo de coisa, os mortos não fazem parte do jogo, a realidade é deveras concreta e o tempo se arrasta como se possuísse blocos de pedra amarrados a seus pés, talvez por isso, mesmo depois de tanto tempo ainda não tenha conseguido aceitar a perda de Valmor, tudo está quase parado; os rostos das pessoas a sua volta assemelham-se a bigornas escuras e retas, não é possível diferenciá-los, se arrastam com dificuldade, muitos desistiram e encontram-se parados ao longo do caminho formando pequenas montanhas de seres inanimados, um sorrido involuntário lhe adorna o rosto e um pensamento involuntário a cabeça: - A vida está se tornando escassa!

Ela empurra a porta giratória da agência bancária, todos parecem felizes; dez e quinze, o dia está apenas começando, é sexta feira, ninguém sabe de nada!