Uma errada
UMA ERRADA
Pensamentos fúteis. Caminhos seguidos ao acaso. Acordar de manhã automático. Ônibus. Passagem. Frio. Compromisso desgostoso. Mais um dia começou, que vontade de chorar. Será que meu cabelo ficaria melhor curto? Talvez eu devesse tomar mais café!
Dentro de mim ainda há aquilo que não devia, ainda permanece uma vontade, uma rebeldia de dizer adeus, de seguir a estrada de tijolos, meus amigos já se foram, treze filhos. Sozinha. Quase não falo, só penso, só escrevo, só vivo um viver que vive mais não age. Ajo apenas conforme meus horários dados. Cheguei até aqui mais espero ir logo mais. O dia deve continuar, o sol raia sob minha cabeça, o suor não pára de correr em meu pescoço, minhas mãos também automáticas podem limpá-lo sem que o resto do meu corpo perceba. O calor toma meu ser sem pedir permissão, como o tudo mais que o faz, a coriza, a enxaqueca, o dente do fundo, a cosera na cabeça, a unha encravada. Listados, parecem desesperador, mas cravados por debaixo da pele já são companheiros do dia e da noite, nunca me deixam sozinha, quando dou por falta de um deles, outro logo se faz presente.
O compromisso já foi, certo dia, um bem, já abri os olhos de manhã e agradeci pela dádiva maldita de ter de acordar tão cedo. Quis que o final de semana acabasse para começar novamente a semana. Era uma menina que caminhava por um caminho curioso, procurando, esperando por espantalhos, homens de lata e leões medrosos. Hoje, depois de vinte e sete anos no mesmo lugar, apenas com a mudança ocorrendo em mim, pude ver minha face de menina ganhar rugas, meus cabelos dourados perderem o brilho, minhas mãos, a agilidade, meu entusiasmo a coragem e minha alma a vontade de olhar para si mesmo. Sozinha. Sem homens fantasiados, sem personagens. Sozinha.
Quanta coisa. Quantos monstros. Sou a única humana, sou acompanhada por rebeldes mal vestidos, de mentes estreitas, vampiros cruéis que me vêem como uma porcelana, sem alma, sem gosto, sem pele firme. Sou a pena deste lugar, sou a escória dos pensamentos, sou o dia que passa, sou o que fazem pensar na vida e no futuro. Sou a tristeza de uma vida vivida, arrependida, mal feita. Sou o que eles não querem ser. Sou a compaixão. Escondi dentro de um olhar insatisfeito filhos, netos, amores, aventuras, conquistas, anos, muitos anos de olhos fechados, horas que passaram enquanto minha lástima tomava conta de mim. Escondi de mim mesma uma vida, um desejo, uma vontade de me rebelar, um medo de errar. Escondi bem detrás dos olhos, bem atrás da alma, no escuro deste meu ser fechado escuro e errado o saber viver, o saber aceitar, o acreditar, e principalmente o agradecer!
O dia acaba, caminhos seguidos ao acaso, levantar da mesa automático, ônibus, passagem, frio, fim do compromisso desgostoso. Mais um dia terminou, que vontade de chorar. Não, meu cabelo deve permanecer comprido. Mais uma xícara de café, por favor!