CINZAS DA FOME

Debruçou no chão para recolher o que antes estava perdido.

As pedras queimadas assemelham-se à coisa desfeita.Os pedaços que encontra são tão pedra quanto a própria, queimada e indizível como os rostos que se calaram após a explosão.

O helicóptero vinha distante quando um primeiro percebeu e todos agradeceram em prece.

No campo devastado pelas várias bombas e minas terrestres, cambaleava a insistente raça. Não havia apego a terra, a gente, ao céu vislumbrado todo dia na expectativa da cota de morte. Houvesse escolha, a ínfima partícula que aludia ao local seria renegada, como renega-se o pó que voa escuro e necrosado dos que dele faziam parte. Trairiam o gene.

As mãos pedra seguram o lápis despontado e o papel que o vento tenta levar para destino incerto; escreveu:

“Leva!”.

O vento carregou.

As mãos levantadas, o carro avançava rápido. Sentia a brisa veloz acalmar a pele branca do infernal calor saárico vindo do norte. A terra inóspita, corpos sem rosto, sangue jorrando no escuro da pele. Vermelho somente.

Agarrou o papel preso no pára-brisa.

Não compreendia a língua, gravura obsoleta desprovida de sentido.

Picado, o papel seguiu seu vôo.

Quanto mais próximo vinha, mais o amontoado de vida compactava sua forma. Mãos na espera, as caixas caiam lentas, indiferentes aos que por ela, com ânsia, aguardavam.

O som dos corpos caindo compassados com o tambor das armas rodando e cuspindo munição pouco influía no espetáculo.

As mãos, pedras rudimentares, abriam as caixas e, mesmo em carne, agrupavam contra o peito tudo que pudesse levar. Com fome, cambaleavam.

A granada lançava estilhaços e os que ainda corriam, iludidos com a vontade de comer, esqueciam da rotina, morriam com as bocas — num último alento —cobertas de cereal chovido.

Terminado o repetido, a fumaça elevando-se no campo escuro, colhia no chão, as costas curvadas, o que pudesse, mesmo pedra, ingerir.

Vasculhava o chão as mãos pedra ciscando o resto que o vento seco deixava, antes perdido, semeado na terra infértil e negra, as mãos rocha como o toque ao que se assemelha, um sobrevivente, vivo no morto.

Fabiano Rodrigues
Enviado por Fabiano Rodrigues em 14/07/2009
Reeditado em 14/08/2009
Código do texto: T1698549
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