Triângulo
Eu estava em casa, fazendo a minha sobrancelha, quando a campainha tocou. Deixei a pinça de lado e três mulheres com cara de mafiosas estavam na porta. Sem dizer uma palavra sequer, fiquei pensando que elas pareciam saídas de um filme sobre a máfia feminina. Nem sei se isso existe, mas era isso que elas pareciam. A mafiosa do meio se movimentou até o meu sofá e se sentou com a maior naturalidade do mundo. Olhei novamente para as outras duas, mas elas permaneciam paradas na porta. Menos mal, pensei. Duas bundas sujas a menos no meu sofá de veludo azul. Tentando se fazer ainda mais folgada, a mafiosa chefe ligou o meu aparelho de som e Bobby Vinton começou a cantar Blue Velvet .
A mafiosa-chefe era dessas mulheres que querem ao mesmo tempo serem fortes e femininas. Ela tinha uma pele morena reforçada por um bronzeamento natural intensivo e um cabelo duro estirado e pintado de loiro. Vestia uma calça jean com lycra, cintura baixa e um salto alto grosso, daqueles que sua vó usaria no seu casamento. Pra completar o quadro, vestia uma daquelas blusas assimétricas, deixando o braço direito descoberto. As companheiras dela eram assumidamente masculinas e usavam ambas os cabelos presos, calças jeans sem lycra e camisetas de algodão de um número menor que os delas.
Confortável com a bunda no meu sofá, a mafiosa-chefe começou a falar:
- Então, Thaïs, surpresa em me ver?
- Quem é você? - perguntei com a maior naturalidade do mundo. Pude ver a surpresa dela. Minha resposta tinha sido inesperada. Hohoho, otária. Ciente do seu deslize ela tentou recuperar seu ar de superioridade.
- Não precisa se fazer de desentendida, mona.
Mona?
- Eu sei que você se lembra de mim. Jamais esqueceria aquela que te ameaçou de morte.
- Morte? Você não está me confundindo com outra pessoa?
- Não se faça de idiota, eu não tenho tempo para as suas gracinhas. - ela me alertou já irritada.
- O que você veio fazer aqui? Me matar?
- Ainda não. Eu vim só te dar um aviso. Se afaste do meu homem, ou da próxima vez eu não serei tão educada.
- Educada? - seus olhos se encheram de fúria e emendei amedrontada - E será que você poderia me dizer ao menos quem é o seu homem?
- Você me irrita, garota!
- Me diga só o nome dele.
- Será que você é tão puta que nem sabe os nomes dos homens com quem dorme?
- Eu sei os nomes de todos, só não faço idéia qual deles seria o "seu". Até onde eu sei, nunca dormi com um homem que estivesse comprometido com outra.
A mafiosa se calou. Olhei para a porta e as duas outras se entreolharam. Por um momento eu pensei que fosse morrer.
- Nós ainda não estávamos comprometidos. Mas ia rolar. Teria rolado se você não tivesse aparecido.
- Olha, eu nem sei de quem você está falando ainda, mas foi uma casualidade. Não era pra ter acontecido entre vocês, é só você partir para outra.
- Ele não partiu para outra! Você partiu o coração dele e eu tentei consolá-lo inúmeras vezes, mas ele não queria saber de mim.
- Olha, eu sinto muito...
- É claro que sente! Todos sentem! Sentem tanto quanto eu!
Ela estava descontrolada.
- Bom, de qualquer forma, pelo que você está dizendo nós nem estamos mais juntos, então o que veio fazer aqui?
- Eu vim te avisar para ficar longe dele. Finalmente estou conseguindo me reaproximar dele e não quero que você estrague tudo novamente, "capitchi"?
- Sim, capisco.
- Você já sabe de quem eu estou falando?
- Acho que sei...
- Ótimo. Então espero que esse seja o nosso adeus.
A mafiosa se levantou do meu sofá e desligou o som, interrompendo Billie Holiday no meio de The man I love , e se juntou novamente às suas guarda-costas na porta. Virou-se mais uma vez para mim e apontou em minha direção, fazendo o sinal de uma arma. Fingiu atirar e piscou o olho. Depois deu-me as costas e foi embora, seguida pelas guarda-costas brutamontes.
Após a saída dela fui até a porta e a tranquei o máximo possível. Fui despindo as minhas roupas até chegar no meu quarto e ser puxada para a cama.
- Ela já foi?
- Já. E me ameaçou de novo.
- Me desculpa. Eu só era simpático com ela porque tinha medo das duas brutamontes. Afinal, eu não bato em mulher.
- Sim, claro.
- Escuta, você quer casar comigo?
- Não.
- Por que não? Não precisa ter medo dela, ela só faz falar, não é do tipo que se arrisca a ter a ficha suja.
- Não é isso.
- Então o que é?
- É que... - hesitei.
- Pode falar, não precisa ter medo.
- Eu não te amo.