FACES DO AMOR

Faces do Amor ...

Roze Alves

Um Domingo, poderia vir a ser como tantos que passei em casa, mas fui convidada a ir num almoço de pessoa muito querida e como não recusei o convite, lá estava eu, toda animada no sábado a pensar com que roupa iria, massagear cabelos, retocar unhas...rs, essas coisas bem femininas e frescas que mulher tem. Eu estava muito mais que animada, estava curiosa, sim, iria encontrar pessoas, que ouvia muito os nomes, mas nunca havia tido o menor contato, poetas, formatadores, pessoal do meio poético, no qual eu estou acabando de nascer... ainda no gugu dada ...rs. Assim passei o sábado e depois de confirmar o encontro com quem eu havia marcado, fiz mais algumas coisas e a noite chegou me levando rápido para a cama, porque moro longe de onde iria e Domingo a condução é pior que nunca.

Acordei feliz e comecei a me arrumar, ganhei uma carona até "lá fora"...rs, parece coisa do interior, mas é dentro do Rio de Janeiro, capital; o ônibus não demorou por milagre dos deuses e embarquei nele, me preparando para a viagem de uma hora até pegar a próxima condução para chegar ao meu primeiro destino. Consegui lugar para me sentar, mas no corredor do ônibus, as janelas já todas ocupadas, suspirei aliviada, melhor ali que em pé ... Corri os olhos nos companheiros de viagem, porque posso classificar como uma e sem saber a hora de chegar ao terminal.

Normalmente o ônibus quebra na serra, fura um pneu, coisas normalíssimas nessa linha.

Eu torcia por uma viagem tranqüila e "nada normal" ...

As vezes quando estou pensando em alguma coisa, meus ouvidos bloqueiam os sons ao meu redor e só depois reparo a algazarra que faziam algumas crianças no último banco. Cantavam, batiam palmas, os pés no chão, enfim um tumúltuo que ficava pior junto com o barulho de todos os ferros soltos que o ônibus tinha e neste instante eu os vi ..

Estavam também sentados no corredor, no meu lado contrário em dois bancos a frente. Seu Celso: nome que dei a ele, fiquei em dúvida entre Júlio também, ele tinha cara desses dois nomes, embora parecesse nordestino e deveria se chamar Nonato ou Ribamar,nomes comuns no nordeste, quem vai saber? E Dona Maria José, lhe dei esse nome porque ela me lembrou minha tia que tem esse nome,uma homenagem as duas, depois explico porque. Seu Celso vestia uma calça vinho, que já deve ter tido essa cor mais viva a tempos atrás, uma camisa tipo pólo, muito branca, com algumas listras também de cores apagadas na parte superior e já bem fina pelo uso, meias brancas e largas nas pernas e pasmem, ele usava sapatos “cavalo de aço”, os do meu tempo saberão por certo do que falo ... um sapato com um solado branco de borracha dura e com saltos quadrados também brancos ... Nem imaginava que ainda vendessem isso, ou se não ... Ele tinha uma relíquia nos pés, uma bolsinha, dessas que se carregam marmita, atravessada no peito e muito limpa também, um relógio de corrente prateada no pulso completava a roupa de Domingo dele. Fique imaginando com que esmero aquela roupa era lavada, pois embora bem surrada, estava impecavelmente limpa. Ela em seu vestido estampado de flores roxa, com folhas verdes e fundo branco, uma sapatilha marrom nos pés, da marca Moleca, uma bolsa verde quase da cor das folhas de seu vestido, e me chamou a atenção, porque em um econtro da minha turma em Copacabana, essas bolsas eram oferecidas por vendedores ambulantes ... a bolsa em questão é feita de uma imensa tira fechada com um fecho-eclair, que conforme você vai abrindo, a bolsa vai se formando. Brasileiro inventa tudo para ganhar um trocado e ela também tinha no pulso um relógio de pulseira prateada, assim como o meu e também por certo comprado no camelô, porque é o que se pode usar hoje em dia para não ser roubada. Seu Celso com seus cabelinhos todo branco e meio rareado no alto da cabeça, ela com os seus muito pretos, embora mal tratados, digo por serem sem brilhos, cortado curto e de aparência bem limpa. Seu Celso cutucava ela no braço, mexia em seus cabelos, sua nuca e ela fazia cara feia para ele quando virava para trás, batia em sua mão, aquele tapa que não encosta...rs.

Mas de onde eu estava, via seu sorriso quando ela voltava o rosto para frente, passei a olhá-los sem disfarçar, com um sorriso nos lábios também, achei linda a cena, ela falava alguma coisa baixinho, voltada para trás e ele ria e vice-versa. Era um casal feliz, deviam ter entre 65 a 70 anos, aspecto de quem já trabalhou muito nesta vida, mas estavam ali firmes um com o outro. Gostaria de saber se eram marido e mulher ou apenas namorados que se programaram para passarem juntos o Domingo.

Ela arregaçava a manga de seu vestido e em determinado momento acho que li mais em seus lábios que na verdade ouvi, ela disse: estou passando mal, falou rápido e virou logo para a frente, ele não escutou ou fez que não, será que ela fica nervosa ao andar de ônibus e por isso ele não a deixava quieta, para distraí-la? Involuntariamente comecei a torcer para que ela agüentasse até o fim da viagem na boa, pensei em lhe oferecer uma bala, mas desisti, ela poderia achar abuso eu estar me intrometendo na vida deles e ela tinha cara de quem poderia ser diabética, deixei para lá a idéia e acho que estava olhando tanto, que Seu Celso se voltou para mim e deu um sorriso, um lindo sorriso feliz que retribuí com prazer. Ela também se voltou, mas não sorriu, acho que apenas avaliou a situação...rs.

E mais uma vez deixei a minha idéia solta e imaginei para onde poderiam estar indo, visitar parentes? Os filhos quem sabe, olhar o mar? O dia estava maravilhoso para isso, os jats-ski no canal? Ficariam cansados, lá não tem onde sentar.

A viagem já estava quase no fim e vagou um banco e fizeram o que imaginei, rápidos sentaram-se juntos, e então deram-se os braços e cruzaram os dedos das mãos e começaram a falar baixinho um no ouvido do outro e sorriam, isso é amor...rs, não pode ser outra coisa, o amor com face de Seu Celso e Dona Maria José num dia de Domingo ... Eu já vi esse sorriso um dia no rosto da minha tia, por isso dei seu nome em homenagem e espero que ela tenha sido feliz, mesmo a seu modo, enquanto durou seu casamento ...

A viagem terminou para mim, saltei e eles seguiram, que pena queria tanto saber o que fariam, mas me dou por feliz em estar aqui a contar o fato a vocês e dizer que tomara que sejamos agraciados com um amor companheiro assim, como esse casal lindinho que não vou mais esquecer ..

Roze Alves

Amanhecer-M

RJ, Guaratiba, 31/07/2008

Roze Alves
Enviado por Roze Alves em 09/07/2009
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