JE T'ADORE
De tanta saudade, mal consegui dormir naquela noite. Saber que Juliana estaria de volta ao Brasil causava-me uma euforia incontrolável.
Juliana fora à França aprofundar-se nos estudos daquela língua que tanto me atraía. Era tão gostoso apreciar sua boca pequena e delicada a pronunciar aquele francês. Lembro que eu a telefonava a fim de ouvi-la dizer je t’adore. Ela dizia, talvez, mais convincentemente que qualquer francesa!
Juramos não terminarmos o nosso romance durante aqueles anos em que ela estivesse por lá. Mantive-me firme pelos contados 1.824 dias em que estivemos longe um do outro. A confiança que depositei em Juliana superava a minha própria fé em Cristo. Verdade! A vida que objetivava ao seu lado era a minha religião; a casa que eu construía, a minha igreja; e Juliana, o meu tudo!
Dois meses antes da data de seu retorno, eu já me encontrava numa excitação que me atrapalhava em tudo que eu ousasse fazer. Eu não conseguia estudar, nem comer, nem nada... Eu era a espera em forma de gente. Meus lábios tremiam. Era a vontade louca de tocar aquela boca novamente. E que boca, meu Deus.
Juliana tinha a estatura mediana e seus cabelos castanhos claros e ondulados davam àquele rosto de finos traços a ideia de perfeição em conjunto. A beleza de Juliana seria capaz de fazer os franceses reverem os seus próprios conceitos. Não duvidaria se soubesse que as francesas estivessem usando o penteado ou o tipo de bolsa que Juliana costumava usar. Os olhos, que me fitavam sempre num misto de carinho e tesão voraz, seguiam o tom dos cabelos.
As fotos que me enviava com frequência não eram capazes de fazer aquele aperto em meu coração cessar. As cartas, sempre tão cheias de promessas, vinham-me quase todas manchadas das lágrimas de Juliana, que caíam enquanto escrevia.
Naquela manhã de terça-feira, eu acordava de um sono muito mal dormido. Na verdade, como eu já disse, eu nem pregara os olhos. Pegava o meu Fusca e partia direto para o aeroporto.
Pernas e mãos trêmulas. Lábios secos de tanta distância. Lá estava eu nos meus sonhados últimos minutos de espera.
Um amontoado de gente começava a chegar próximo a mim. Muitos choravam, mas minha aflição me impedia uma análise mais profunda sobre aqueles prantos.
- Não pode ser! Não pode ser! – dizia uma senhora.
- Calma, mamãe! Por favor! – dizia, aparentemente, sua filha.
Aos poucos, as lágrimas alheias foram tomando todo aquele espaço. Imaginei na hora quantos anos de espera estariam ali somados naquele hall que esperava do voo vindo de Paris.
- Não sobrou ninguém, meu Deus! Deu agora no rádio! – dizia um senhor. Talvez o único, além de mim, sem lágrimas.
- Não é possível, meu Pai! – dizia uma outra senhora.
- O que está...? Por que vocês estão chorando? – eu perguntava àquele senhor.
- Esperava o avião que vinha de Paris?
- Sim, por quê?
- Meu filho, eu sinto muito... Não viu os jornais?
- Não! O que houve, pelo amor de Deus?
- O avião caiu ainda na França.
- Ah!?
Ali eu parei. Não ouvia mais choro nem nada... Eu olhava ao meu redor e o que eu via era um monte de rostos desfigurados em seus choros mudos. Tinha a sensação de que desmaiaria, mas permaneci de pé. Cheguei a ver, numa dessas alucinações que nos tomam a alma em momentos difíceis, meu corpo caído ao chão. Mas eu estava de pé.
- Gente, por favor, um pouco de calma! – dizia um funcionário da companhia aérea.
Todos calavam. Então, ele continuava:
- O avião que vinha de Paris, acredito que vocês já saibam, sofreu uma queda, logo depois de sua decolagem e...
Ali, minha vida acabava. Depois de falar e falar, aquele funcionário ditava os nomes das vítimas. No meio da lista, “Juliana Fagundes Leite”.
Eu deixava o hall e ia até o lado de fora. Surdo, mudo, um vegetal.
Até hoje me pergunto o porquê de não sabermos o que nos prepara a vida. Se soubesse de tal destino, Juliana não iria à França; continuaria com o seu francês intermediário mesmo. Eu não me importaria nem com o esquecimento total daquela língua por parte de Juliana. Aos poucos ela poderia até mesmo perder da memória a pronuncia correta do “je t’adore” ou do “je t’aime”. Porém, teria aqueles cinco e, talvez, o resto dos anos de minha vida para ouvi-la dizer o mais lindo e sonoro “eu te amo”. Meus lábios tremem até hoje.