O CONVITE
Punha meu pé no primeiro degrau da escada rolante, provavelmente, no mesmo momento que ela. Sendo que eu subia e ela descia. Olhamos rapidamente um para o outro. Pá! Séria, demonstrava neutralidade diante de minha pessoa. De gênio difícil, eu fazia o mesmo. Olhava para o nada para não entregar meu real sentimento, porém, apaixonava-me. Voltava a olhá-la.
A medida em que as escadas nos levavam a um ponto comum, onde nossos olhares estariam num mesmo nível, minha imaginação cuidava de me sugerir o que ela vestia da cintura para baixo. Uma saia, talvez. Uma saia minúscula, na verdade era o que eu queria. O que estava da cintura para cima os meus olhos tratavam de constatar. Um lindo abdômen à mostra, para começar. Uma camisetinha que tapava seios maravilhosos. Não eram grandes, nem pequenos, nem médios. Eram perfeitos! Nunca vira igual. Logo acima deles, os ombros delicados. Ela trazia em seu pescoço um colar desses de artesanato. Os cabelos estavam presos numa trança enorme. Podia ver sua ponta na altura do cóccix. Confesso que, a partir daí, eu ficava curioso pelo tamanho de seus fios. A escada me levava.
Aproximávamos um do outro. Ela voltava a me olhar. O rosto trazia um nariz arrebitado e fino. Sem qualquer tipo de maquiagem, os olhos, a boca e as bochechas formavam um conjunto que passeava entre o meigo e o malicioso. Um rapaz que descia atrás dela inclinava-se levemente a fim de ver o semblante que carregava toda aquela beleza. Eu tinha a visão que ele procurava e vice-versa.
Lá estava ela, a poucos degraus de nos tornarmos próximos. O quê? Uns trinca centímetros, creio eu. As escadas que nos carregavam eram coladas uma na outra. Erro da arquitetura ou não, o que importava era que eu seria capaz de beijá-la ao passar por mim. Olho no olho. Seria difícil resistir.
Ela se aproximava mais e mais. Seu perfume eu já conseguia sentir. Aquele rapaz atrás dela já fazia tremenda cara feia ao notar que nosso interesse era comum. Ela vinha! E vinha! E vinha! Quando, de repente: as escadas pararam. Juntas. Bem na altura onde nossos corpos estavam ao lado um do outro. Então, ela soltava para si mesma:
- Ai, que saco!
- Você está descendo. E eu, que estou subindo? – eu dizia a ela.
- É. Sorte minha – ela dizia sorrindo.
- É. Azar o meu.
Ela começava a descer os seus degraus e eu, a subir os meus. Foi quando eu parei e:
- Não quer fazer essa sorte ser nossa?
- O quê?
Ela se virava com uma face confusa.
- É – eu dizia ao subir –, me espere aí em baixo. Vamos tomar alguma coisa.
- Ela não respondia ao meu convite. Continuava a descer.
- Perdi – eu dizia a mim mesmo em voz baixa.
Ao chegar no piso superior daquele shopping, eu olhava para baixo. Esperava vê-la rebolar uma saia minúscula, mas não. Ela estava com uma calça bem larga, que, mesmo assim, acusava o volume perfeito de suas nádegas. De braços cruzados e com um sorriso no rosto, ela mexia os lábios dizendo:
- [Não vamos tomar nada?]
- [Claro!] – eu respondia da mesma forma.
Eu descia até lá e, antes que dissesse algo, ela:
- Você é normal?
- Por quê?
- Nunca recebi um convite desses dessa forma – ela dizia numa simpatia que me deixava até confuso.
- É. Eu achei que não teria outra oportunidade de...
- De?
- De medir o tamanho de sua trança.
- Seu bobo. Seu nome?
- Celso. E o seu?
- Maria Eduarda.
- Lindo nome. Vamos ali, naquele quiosque?
- OK. Você é quem manda. Não conheço nada por aqui.
- Não é daqui?
- Dessa cidade não.
- Ah.
A partir dali, conversamos, tomamos um café e comemos um pedaço de bolo de laranja. Ela era musicista. Eu não esperava. Violinista solo de uma orquestra.
Eu tive de ser direto. Tive de dizer o motivo pelo qual não tirei os olhos dela durante todos aqueles intermináveis segundos.
- Você é a coisa mais linda que eu já vi.
- Que você já viu?
- Sim! E agora, depois desse nosso papo, vejo o quão bacana tu és. Agora, me responda uma coisa.
- Diga.
- Por que aceitou o meu convite? Não achou muito afoito.
- Olha, Celso, vou te contar uma coisa: Antes de eu me tornar musicista profissional, de me apresentar nos melhores teatros do Brasil e do mundo, eu era muito criticada por ser calma demais. Eu esperava muito as coisas acontecerem. Hoje, quando me entrevistam em revistas e programas especializados, afirmam que a tranquilidade foi e é a minha melhor qualidade, pois “eu soube esperar a minha vez”. Já que fui “descoberta” somente aos vinte e três anos. E eu me gabava por isso...
- E o que tem isso a ver com o meu convite repentino? Já sei. Acha que eu deveria ter “esperar a minha vez”.
- Não. Eu me gabava com as palavras da imprensa a respeito de minha tranquilidade. Gabava-me até o momento em que você me fez aquele convite. Agora, nesse instante, passo a dar razão às críticas que me faziam.
- Por quê?
- Porque não devemos mesmo esperar por nada. Por uma carreira, por um sonho, por uma viagem...
- Por um beijo. – eu a interrompia.
- É – ela dizia –, por um beijo.
Eu a beijava...