UMA GALERIA DE ARTES CHAMADA BON APPETIT

Sentia-me feliz em qualquer lugar. Desde que não notassem a minha presença, lógico. A lembrança de minha existência, por parte dos outros, se dava quase sempre pelo fato de meu nariz ser um tanto quanto desproporcional à face. Era de fato um “senhor nariz”, como diziam.

Cansei de ver pessoas que também possuíam narizes “avantajados”, porém, até mesmo essas riam do meu caso. “O meu nem é tão grande assim, comparado ao desse rapaz”, diziam. E pior: diante de um sentimento horrível que me vinha de forma muda, eu, muito sinceramente, tinha que concordar.

A desproporção de meu nariz não é daquele tipo que embeleza a pessoa. Por exemplo: a Débora, uma vizinha aqui de perto, vive dizendo que se pudesse operava. Implica com seu próprio nariz de uma forma que nem eu – um caso excepcional –, consigo implicar. A Débora, na minha opinião, é uma das meninas mais lindas do bairro. O nariz dela realmente não é do tipo “delicado”, porém, talvez, se fosse, acredito eu que toda a beleza de Débora estaria comprometida. Aquele nariz é perfeito para ela! E ponto!

Mas essa história não é sobre a Débora. Não. Mas sobre a Carolina.

A Carolina é uma menina que almoça sempre no mesmo restaurante que eu. Certa vez, ela estava lá com mais três amigas. Elas a chamavam o tempo todo. “Carolina, escuta essa...”, “Mentira! Jura, Carolina?”, diziam. Por isso sei o nome dela.

Que menina linda essa Carolina! Aparentava ter uns vinte e cinco anos, mas carregava um sorriso que a rejuvenescia aos dezessete! Sabe aquela pessoa que te induz ao bom astral apenas em sorrir? Então, é ela! Tinha um cabelo bem curto, na altura do pescoço mesmo, com cachos volumosos que ela costumava brincar de enrolar enquanto aguardava a sobremesa. A cor de sua pele ficava maliciosamente entre o moreno e o branco. E que pele!

Apesar de Carolina ser tudo isso que acabei de descrever, uma coisa nela me incomodava bastante: ela não tirava os olhos de mim. Eu já pensara diversas vezes em trocar de restaurante, mas, além de ser o único restaurante que abria uma conta para que meu chefe pagasse somente no final de cada mês, a beleza e o sorriso de Carolina nunca me permitiriam tal atitude.

Eu a olhava bastante também, mas ela tinha motivos de sobra, ora. Já eu: nariz de sobra. O que mais atrairia a atenção de Carolina sobre minha pessoa sem ser esse meu nariz? Sentia-me deprimido em pensar que os lindos sorrisos daquela menina deveriam se repetir aos montes (e numa proporção ainda mais elevada, por que não?) durante um provável comentar sobre o meu nariz às amigas.

Em hipótese alguma me passava pela cabeça ir falar com Carolina. Para mim, ela era uma espécie de obra de arte, dessas bem caras. A gente fica ali olhando, admirando, imaginando o quão seria bom tê-la em sua casa, até que aparece alguém e a leva da galeria.

Certo dia, um amigo meu, o Maurício, almoçou comigo.

- E aí, Victor – dizia Maurício –, como andam as mulheres?

- Bem, elas andam por aí, não é?

- Refiro-me a você com as mulheres, Victor!

- Na mesma de sempre, Maurício. Elas lá e eu aqui.

- E por falar em mulheres... Olha que morena ali naquela mesa, Victor! – apontava para Carolina.

- Ela está sempre aqui, Maurício. Realmente é muito linda!

- Ei! Ela não tira o olho de você ou é impressão minha?

- Impressão sua, Maurício.

- Não! Não é! Ela está, sim, olhando para você, cara!

- Não está, Maurício!

- Victor, vá lá falar com ela, sei lá! Mas não deixa essa menina escapar!

- Maurício! Olhe para mim! Olhe para o meu nariz! Entende o que ela tanto olha? Hein?

- Deixa de ser bobo, cara! Quanto mais você se inferiorizar por conta de seu nariz, mais problemático ele será para você! Não entende?

- Acho que tem razão... Mas não tenho coragem de falar com ela, cara. Não aqui.

- E onde falará? A vê em mais algum lugar?

- Pior que não...

- Então! Espere ela se levantar. Quando ela for para a fila, você vai atrás. Lá você puxa um assunto.

- Que assunto, Maurício?

- Qual quer um, Victor!

- OK.

Não preciso dizer que eu não fui atrás dela, não é? Tremi. Preferi não ir e, por isso, fiquei ouvindo as gozações de Maurício o resto do dia. Mas no fim da tarde:

- Maurício! Amanhã! Amanhã, falarei com ela!

- Espero que sim, cara! Alguma coisa ela quer com você.

- Talvez gozar do meu...

- Pare, Victor! Se falar assim de seu nariz novamente, eu juro que o arranco ele daí com um soco! Coragem, cara!

- Você tem razão! De amanhã não passará!

- Isso aí! – animava-me Maurício.

No dia seguinte, como eu já previa, novamente tremi, mas duas semanas depois, como sempre, estava eu no mesmo restaurante a almoçar. Sendo que justo no dia em que me preparara de corpo e alma para falar com a Carolina, ela não aparecia. A cada duas garfadas eu esticava o pescoço e passava uma vista em todas as mesas do local. Nada. Até que, através do vidro da porta, a vi de pé do lado de fora do restaurante. Parecia esperar alguém. Suas amigas, provavelmente.

Um rapaz chegou e a abraçou. “Ela tem companhia! Eu sabia!”, pensei. Os dois entraram no restaurante de mãos dadas. Sentaram-se, encostaram-se levemente pelos lábios e abriram o cardápio. A primeira atitude que tive foi a de olhar bem no rosto do rapaz que acompanhava Carolina. E, por Deus, o cara tinha um nariz ainda maior que o meu!

Diante da nítida felicidade daquele casal, notei que o nariz dele – apesar de, segundos antes, ter se mostrado tão incômodo para mim –, era para Carolina, talvez, aquilo que de mais bonito ele tinha; que fazia dele uma pessoa de sorte. Como aquelas que levam da galeria as obras de arte que tanto admiramos.

Aprendi que admirar é tão gostoso quanto preciso, mas admirar somente é incompleto.