TRANSTORNOS DE UM PROFESSOR

“Que o silêncio transborde em pensamentos”—leu as linhas escritas pelo filho.

Quando da aula, conversando com alguns alunos, descobriu que vínhamos por aquele caminho. Não era o melhor, mas outro nos custaria mais tempo.

— E vocês não têm medo?

Respondemos que já nos acostumáramos e que nunca nada nos feito.

— Moro ali perto, sabe...e me preocupo.

Há um ano lecionava para nossa turma e sempre deixara de lado demonstrações de afeto ou maior proximidade como os alunos, por isso nos surpreendemos ao falar de sua preocupação.

Prosseguiu:

— Dia desses, mesmo, quando voltava pra casa, me deparei com dois deles.

Mantinha ainda a seriedade:

— Vocês nunca viram nada?

Sabíamos a que ele se referia.

— São muito discretos, nunca vimos nada de muito assustador, professor.

O sinal tocou.

A aula transcorrera como sempre. A formalidade era característica sua e não transparecia nada de anormal.

Quando saíamos para a próxima aula, o professor nos chamou, trazia recém tirada de sua carteira uma foto.

— Queria pedir que não comentassem com ninguém — disse como quem implorasse. — Olhem se conhecem!

O rapaz abraçado com a mãe na foto nos era desconhecido; mas sabíamos ser seu filho.

— Tomem leiam isso e digam se não devo me preocupar.

A página, pela aparência, amassada várias vezes trazia a frase: “Que o silêncio transborde em pensamentos”.

— Pela cara de vocês não preciso nem perguntar, não é?!

Não sabíamos o que dizer.

— Mas professor...

— Não, tudo bem! Eu tô bem, é só que a gente cria os filhos, sabe, e não espera que eles...

Com incredulidade vimos o professor chorar.

Chorava por motivos que não conseguíamos compreender.

Sem saber o que fazia, Aline deixou suas mãos consolarem os ombros.

— Não tenho mais dúvidas, então. Era ele!

— Quem?— não podíamos deixar de perguntar.

— Um dos travestis, meu Deus do céu! Não sei...se o que estava embaixo ou em cima...Nem consigo pensar numa coisa dessas! No caminho pra casa...quando vi naquela noite...

— Mas o senhor tirou essa ideia de onde, professor?

— Vocês não viram ele?

— Não!

— Bom, vai ver estava todo maquiado, não é?

— Mas...

— E todas as noites ele sai e volta tarde!

— ...

— E agora escreve poesia, meu Deus, é a confirmação.

— Não tem como saber, professor!

— Ela me garantiu!

— Ela quem, professor?

— Ela me chamou de papai...se fez passar por meu filho naquela noite, então eu que se era tão parecido era por conhecê-lo...Não criei meu filho pra essas coisas, sempre tive dignidade, sabe. Poesia?

Deixamos que chorasse.

Quando nos afastamos ele ainda nos chamou. Custamos a nos virar e não deixar que percebesse nossa perplexidade.

Disse por fim:

— Digam pra Sabrina que estou com saudades e que não esqueci da minha dívida!

Fabiano Rodrigues
Enviado por Fabiano Rodrigues em 08/07/2009
Reeditado em 10/07/2009
Código do texto: T1688420