BICHINHOS DE ESTIMAÇÃO

As primeiras aparições foram muito sutis. Um farelinho cá outro lá, na base do roupeiro. Eu saia cedo e voltava tarde do trabalho. À noite, quando eu chegava, a casa sempre cheirosa (saudades da limpeza da Juraci, minha diarista!). Foi num final de semana que percebi algo estranho no chão do quarto. Sujeirinhas, poeirinhas? Passava um pano úmido e tudo ficava certo. Algum tempo depois, deve ter sido numa passagem de estação, revisei todas as minhas roupas. As próprias para o inverno, deixei na parte baixa do roupeiro. Seriam usadas agora. Nesta revirada, novamente observei alguns farelos minúsculos na base interna de madeira. Agora de óculos, observei com mais detalhe. Eram bolinhas bem torneadas, cores e tons mesclados. Num primeiro momento tive um choque. Depois a reflexão, mais tarde, a conclusão. Não havia mais dúvidas, eram os próprios. Por uma década assisti minha mãe lutando contra aquela praga. Começou da mesma forma, uns lixinhos insignificantes, tornaram-se uma briga constante. Diariamente ela revisava todos os cantos do chalé de madeira. Quando achava algum sinal deles, dava de mão do insetífugo próprio e combatia bravamente. Venceu muitas batalhas, mas nunca a guerra toda. Pareciam imortais.

Agora estavam dentro da minha casa. Era preciso agir. Liguei para ela. Ttranquilamente me passou as estratégias para o combate. Segui as táticas, ipsis literis. Os sinais daquela presença incômoda desapareceram. Eu vencera ou seria apenas uma trégua? Duas semanas depois veio a resposta. Foi apenas uma retirada. Eles voltaram mais fortalecidos. Um exército poderoso formado por indivíduos ápteros e alados. Sociais, vivem em comunidades populosas e organizadíssimas. Constroem um universo de fato e não vivem no Universo do discurso, como os humanos, por exemplo.

Após muitas batalhas e recuos caí em derrota. Eles triunfaram. Só me restaram duas posições a tomar: ou trocar de apartamento ou... Trocar de apartamento. Sem condições econômicas, nem psicológicas (estava muito abalada) para mudanças de tamanho porte, acordei com eles. Passamos a conviver num pacto silencioso. Eu retiro os vestígios dos seus estragos, não os denuncio a ninguém. Eles se tornaram meus cúmplices e confidentes. Acostumei-me com sua presença no meu quarto. Guardam meus segredos e medos da vida íntima. Só eles conhecem o cheiro de cada peça de roupa, perfume, batom, meia, sapato... Comecei a perceber que só eles me compreendem e amam de verdade. E eu também! Não vivo mais sem meus cupins de estimação.