REFLEXO
Ao fim do dia, com os odores mais nauseantes e todos os inconvenientes do grande número de pessoas num lugar tão pequeno, havia o incomodo da falta de privacidade nos devaneios particulares.
Postado em pé, equilibrando-se nos solavancos, corpos empurrados contra o seu, o calor insuportável, percebeu seu reflexo no vidro escuro no anoitecer.
Como ninguém prestasse atenção em ninguém, passou a admirar-se. Mesmo com o cansaço de um dia inteiro de trabalho, sentia-se bonito e via o reflexo para comprovar.
Era um tipo comum, mas a musculação começava a dar resultados: os ombros mais largos e perceptíveis apertando na camisa; a dermatologista que dera fim à acne. Enfim, apesar de não pensar em padrões em que pudesse ser rotulado como garoto de academia ou algo mais ofensivo, estava — rejeitando a ideia de egocentrismo — bonito.
Olhou para os lados e como ninguém notasse e condenasse a presunção, voltou ao reflexo. Passou a imaginar seu corpo sendo acariciado pela colega de trabalho que era gostosa, embora, agora que estava mais bonito, talvez fosse pouco.
De repente, algo lhe chama a atenção.
Olhou para a moça sentada no banco a encará-lo.
Sentiu o rubor colorindo seu rosto.
Aparentemente a moça não tivera intenção de dizer já que se mantinha calma. O fato é que todos os passageiros ouviram e olhavam agora para o homem mal disfarçando o deboche:
— Nossa, pelo volume deve ser desse tamanhozinho!
Encolhido de vergonha, o homem apertou o botão e desceu.
Para se convencer de que tudo não passava de cansaço do trabalho e o esforço extra na academia, trancou a matrícula.