O CONDUTOR

- Mas Dr. Célio, o senhor tem certeza de que não há riscos para a minha filha? - eu dizia ao telefone.

- Disso eu tenho. Pode ser que meus objetivos não sejam alcançados, mas pior do que está ela não fica. Isso eu garanto!

- OK. Sabe o quanto confio no senhor, não sabe? Desde os tempos do colégio.

- Pedro, você não sabe o quanto estará me ajudando colocando sua filha à disposição da ciência.

- Só quero que ela fique bem, Dr. Célio. É o que lhe peço.

- Eu lhe garanto, Pedro! Fique tranquilo. Traga-a aqui amanhã, às nove. E pare de me chamar de doutor, por favor.

O Célio é um velho amigo meu. Sempre muito estudioso, ele hoje é um conceituado oftalmologista, além de se dedicar incansavelmente às suas pesquisas.

Certo dia, Célio me telefona com uma notícia que, para mim, fora a mais esperançosa de todas que já ouvira na vida.

- Pedro! Acho que estou no caminho certo. Tenho quase certeza de que consigo levar um cego à visão!

Minha filha, a Luciana, é cega de nascença. Nunca imaginei que um dia pudesse estar diante de uma solução dessas. A menina, então com quatorze anos, já estava tão habituada à cegueira, que já fazia um bom tempo que não tocava na probabilidade de um dia enxergar.

- Nossa, Pedro! Mas como assim?

- Eu só preciso fazer mais alguns testes, entende? Mas creio que, dentro de poucos meses, poderei experimentar a cirurgia em sua filha,

se você autorizar, claro.

- Se for para o bem dela, Dr. Célio...

- Claro que será! Não somente dela, mas de todos os cegos! Assim que eu tiver notícias mais concretas, te ligo.

- OK.

Eu já havia conversado com Luciana sobre as pesquisas de Célio, mas a garota não se mostrava muito animada. Parecia bastante confortável à escuridão eterna. Mas eu, de alguma forma, acreditava no meu amigo Célio. E a minha vontade de ver minha filha curada era tão intensa... Queria que tivesse uma vida normal. Enxergasse as cores da vida, do mundo.

Quando Célio me informou sobre a possibilidade da cirurgia, corri para contar à Luciana, que se mostrou meio distante de minha euforia.

- Você não fica esperançosa, filha?

- Um pouco. Mas só um pouco, sabe?

- Não tem vontade de ver como é tudo por aqui? Saber, enfim, o que chamamos visualmente de lindo, de feio; ver seu pai, filha! Não tem?

- Sim, claro que tenho. Mas não queria depositar muitas esperanças. É um experimento, não é?

- É, filha, mas o Dr. Célio é um cara super experiente. As chances são grandes, segundo ele.

- OK.

- Amanhã às nove horas, está bem?

- Está bem, papai.

* * *

Como combinado, às nove horas em ponto, lá estávamos nós: Célio, minha filha e eu. Luciana permanecia calada; eu, apreensivo; e Célio confiante.

- E então, Luciana? Tudo firme? – perguntava Célio.

- Sim, doutor, tudo firme. – respondia Luciana apertando meu braço.

- Está desanimada? Ou com medo?

- Um pouco de medo, doutor.

- Relaxa, menina. Não vai doer nada. Eu prometo.

Eu ficava na sala de espera enquanto Célio trabalhava.

Depois de algumas horas, Luciana saía da sala com os olhos tapados por uma atadura que circulava toda a cabeça.

- E então, Dr. Célio?

- Correu tudo bem. Deixe-me dizer sobre a cirurgia...

Célio me explicava todo o procedimento, mas eu não compreendia muito bem. Na verdade, eu só queria saber quando minha filha enxergaria.

- Olha, Pedro, não tire o curativo, entendeu? Daqui a dois dias, vocês voltam aqui para que eu possa retirar.

Célio puxava-me para um canto e dizia ao pé do ouvido:

- Caso a cirurgia tenha sido satisfatória – o que eu acho que foi –, preciso prepará-la psicologicamente para a visão.

- Como assim?

- É muita informação. Ela nunca viu nada na vida dele. Ela possui em sua mente uma imagem das coisas apenas pelo tato. Ao enxergar, será uma quantidade enorme de informações ao mesmo tempo. Precisamos ir com calma, OK?

- Como quiser, Dr. Célio.

- Quando vai parar de me chamar de doutor, Pedro?

Eu ria.

* * *

Dois dias depois, eu levava Luciana para retirar o curativo e, enfim, saber sobre o sucesso ou fracasso da cirurgia. Luciana dizia que sentia certa diferença nos olhos. Tinha dentro de si a esperança de que Célio acertara.

Dessa vez, eu estava presente à sala de cirurgia. Eu não perderia por nada aquele momento. Célio usava uma espécie de varal com lençóis brancos, a fim de ir dando a visão das coisas aos poucos à Luciana.

Célio retirava o curativo lentamente:

- Permaneça com os olhos fechados, sim? – dizia Célio.

- OK. – respondia Luciana.

- Bem, quando eu mandar, abra os olhos lentamente. Caso esteja enxergando, irá ver a mim e a seu pai. Atrás de nós há um lençol claro...

- OK.

- Pode abrir, Luciana.

Lentamente, Luciana abria os olhos e ao mesmo tempo um sorriso crescente tomava-lhe o rosto. Minha filha adquiria um semblante que eu jamais vira. Era como se ela estivesse, enfim, nascido, acordado para a vida.

- O que vê, Luciana? – perguntava Célio.

- Vejo o senhor, doutor. Vejo meu pai. Vejo o senhor... Que é tão...

Luciana pausava.

- Como?

- Tão lindo!

Luciana largava minha mão e pegava na de Célio. Rapidamente, meio fora de si, pegava-o pelo pescoço e o beijava num misto de tensão e inexperiência. Eu não pude fazer nada. Sim, era a minha filha de quatorze anos beijando um velho amigo de quarenta e seis, mas era também uma jovem recém chegada ao “mundo” beijando o homem que a conduziu. Naquele momento, chamá-lo de doutor ou de genro pouco me importava. Em meio àquela situação feliz e embaraçosa, eu apenas chorei de emoção.