CONTO BUKOWSKIANO

Cinco horas da tarde. Fazia muito frio e eu precisava esquentar as coisas. Como de costume, parava no Clube do Carlão, que era nada mais que um apartamento mofado lotado de bebidas e meninas. Os sofás onde sentávamos eram cobertos de manchas amareladas e queimaduras de cigarro. Mas quem se importava com o aspecto dos sofás? O Carlão tinha uma “equipe” de primeira. Uma dezena, pelo menos, e todas as meninas muito lindas.

Olhar eu olhava para todas aquelas beldades do submundo, porém, meu coração era apenas de uma: Andressa. Era chamada de “caçulinha” pelas demais, pois tinha apenas vinte e três aninhos e começara naquela vida há apenas dois.

Com medidas que iam de médias a pequenas, Andressa tinha algo que faltava em todas as outras ali: carisma. Quando eu chegava, ela podia estar no colo de quem fosse, mas se levantava, balançava a longa cabeleira negra, cuspia o chiclete, ajeitava a (minúscula) saia, alisava os seus médios seios e vinha falar comigo.

- Dudu, meu amor! – ela dizia, como sempre.

Quase sempre o cara que estivesse com ela no momento se irritava. Muitas das vezes já se dirigia a mim com um casco de cerveja virado, pronto para me acertar um golpe. Mas o Carlão logo gritava de trás daquele balcão imundo:

- Se chegar perto do Dudu eu te mato, seu verme!

As coisas se acalmavam.

Carlão sabia que a quantia que eu pagava pela exclusividade de Andressa cobria a transa e toda a bebida de um vagabundo como aquele. O “meu amor”, pronunciado com sensualidade por Andressa, não podia ser de graça. Eu era a garantia de bons lucros para Carlão.

- Demorou, meu amor, por quê?

Andressa pulava sobre mim e me beijava o rosto.

- Preciso trabalhar, ora. De onde você acha que sai a grana que paga o seu corpinho?

- Não importa! Vamos pro quarto?

- Espere, preciso beber um pouco.

- OK.

Ali, Andressa e eu bebíamos bastante. Ficávamos conversando com Carlão sobre coisas sem muito sentido. Conforme o tempo ia passando e os copos esvaziando, as coisas iam ficando cada vez mais sem sentido. Ríamos bastante, sempre.

As outras meninas, apesar de demonstrarem muito carinho pela “caçulinha”, me passavam certa inveja nos olhares. Na certa por terem que trepar o dia inteiro para arrecadar o que Andressa arrecadava só com a minha companhia. Não posso negar que as outras meninas sonhavam com a posição de Andressa, que bebia, beijava-me com um carinho comprado e, às vezes, nem precisava transar.

Depois de muitas e muitas doses de whisky:

- Vamos, Andressa – eu dizia.

- Vamos.

Íamos para o quarto.

Chegando lá, eu desabava sobre a cama, como sempre.

- Não vai tirar sua roupa, Dudu?

- Antes, tire a sua!

- Está bem.

- Ah! E, por favor, não me chama de Dudu quando estivermos na cama, eu já te pedi.

- Desculpe-me.

Ela se despia, mas de um jeito que, meu Deus, já valia toda a minha conta.

- Onde você aprende essas coisas, Andressa?

- A vida é uma escola, Dudu.

- Eduardo!

- Desculpe-me. A vida é uma escola, Eduardo.

- Anda dando para muitos outros, não anda?

- Não muitos.

- Claro que anda! Eles estão te ensinando coisas, não é?

- Você está bêbado, Eduardo. Homens não ensinam nada! São as meninas que me passam sempre umas dicas, ora.

- Sei. As meninas.

- É sério! Mas deixe de papo! Vamos ao que interessa, meu amor!

Ela começava a tirar a minha roupa. Eu parecia um gambá, mas estava sentindo tudo.

- Hoje, você não vai fazer esforço algum, OK? – dizia ela.

- OK, Andressa. Mostre-me o que aprendeu em suas “aulas”.

Andressa me levava às nuvens, como sempre. Mas daquela vez fora diferente; parecia ter feito pós-graduação em língua!

Depois de tudo:

- Andressa, eu te amo, sabia?

- Eu também te amo, Eduardo!

- Ama nada. Se um dia meu dinheiro acabar, sequer olharás na minha cara.

- Não é verdade, Eduardo. Sou grata pela vida que me dá.

- Chama isso de vida?

- Foi a que precisei agarrar, Eduardo. Não tive muita escolha.

- Hum... Acha que teve sorte em me encontrar?

- Sim. Agradeço a Deus por ter colocado você no meu caminho.

- Como pode envolver Deus numa coisa suja como essa?

- Você me acha suja?

- Você não, Andressa, mas tudo isso aqui. Isso nos levará ao inferno depois da morte, você sabia?

- A minha vida já é meio que um inferno, Eduardo. Você não acha?

- Faço ideia. Mas você deseja mudar isso um dia?

- Sim, desejo.

- Como?

- Sei lá.

- Por que não nos casamos?

- O quê?

- É! Na igreja! Perante a Deus!

- Está me gozando, Eduardo? Não se casaria com uma puta.

- Por que não?

- Por que sou uma puta!

- E daí?

- E daí que ninguém quer chegar para a família e apresentar uma ex-puta como noiva.

- Eu não tenho família, Andressa. Posso dizer que só tenho você. E me incomoda muito saber que você não tem só a mim, mas todos que chegarem com uma boa quantia.

- ...

- Larga essa porra de vida e vem morar comigo.

* * *

Cheguei até o balcão:

- Carlão, Andressa está indo morar comigo.

- Boa piada, Dudu.

- Não é piada. É sério.

- Se vocês têm amor à vida de vocês, não façam isso.

- Por quê?

- Simples: Andressa é minha e você tem que pagar por ela!

- Mas eu pagaria uma boa quantia para levá-la comigo, Carlão.

- Ah... Começou a falar a minha língua! Quanto?

- Toma aqui!

Eu acertei um soco no meio do nariz de Carlão, que caiu sobre as garrafas. Peguei Andressa pelo braço e parti sob os olhares arregalados das meninas e da clientela.

Somos casados há seis anos e temos uma filhinha linda chamada Libertad!