Cheiro
Cheiro
Ah, aquele cheiro novamente. De onde vens, oh contumaz Cheiro amigo?
Procuro nas lembranças e encontro reminiscências de ti...
Mas confuso (pensamentos enleados, amarelados pelo andar cruel das horas não me deixam precisar quem és) não o mensuro, indago apenas de minhas reminiscências pueris de onde nos conhecemos, que momentos invocas, que sentimentos despertas, que dores abrandas.
Serias tu bálsamo que cura, oh remitente Cheiro de minhas chagas e males?
De repente desço profundo nos abismos de minhas memórias, alcanço teu retrato nítido emoldurado e ainda pendurado na parede da minha infância.
Agora percebo que não és o cheiro do meu lindo e terno amor; também não és o cheiro da terra molhada pelas deliciosas chuvas que regaram minha meninice, tampouco és o cheiro do sabor gostoso do jabuticaba, nem do voluptuoso mel do cacau escorrendo pelos lábios da criançada na época da colheita do delicioso fruto. Também não és o cheiro do café, que mainha passava bem cedinho, que acordava os vizinhos e nos convidava para um pão com manteiga: que delícia!
Descobri que não eras o cheiro da grama encharca de peladas memoráveis que muito nos divertia.
Enfim, por uma janela brilhante que recebia a luz do sol em raios alegres e saudosos, pude discernir afinal quem és, oh Cheiro suave e trigueiro...
E as lágrimas desprezaram a maturidade, os primeiros fios de cabelos brancos e umedeceram meus olhos e lábios, e, lágrimas e saliva confundiram-se.
Por um instante não pude discernir o que lágrimas, o que saliva, foi quando Dona Belinha ternamente sorriu ao estender-me uma bandeja repleta de suas deliciosas pastilhas de cacau.
Que cheiro bom! Que sabor deleitoso, sinto-o agora em minha boca cheia d’água, seduzida por aquele sabor inocente.
Pedaços de minha infância.
Porto Seguro, 01/Julho/2009