A TERRA DO SILÊNCIO ( II )
O HOMEM
Os passos do homem são firmes, caminha entre a multidão com desenvoltura embora o seu olhar, firme e inquieto, destoe claramente do olhar da maioria.
Poderia dar a ilusão de que era um estranho no ninho, avesso aos relacionamentos afetivos. Nada mais longe da realidade!
Relacionava-se sim com as pessoas, até mesmo poderia se dizer dele que é uma figura carismática e bem humorada.
É verdade que não é muito de se importar com as opiniões massificadas, segue o seu caminho e tem a sua própria maneira de ver a realidade.
Chega finalmente a seu destino, embarca no elevador e finalmente acomoda-se na sala de reuniões.
Permanece a maior parte do tempo calado, analisando o que é dito e atento às entrelinhas e intenções de cada comentário.
Quando finalmente tece as suas considerações, desmembra todo o discurso anterior, levantando uma série de questões que permaneceram ocultas.
A reação dos seus pares já era esperada por ele,
a grande maioria sentiu-se incomodada com as suas colocações pouco convencionais e diretas em relação aos assuntos discutidos.Na verdade, como toda e qualquer reunião, a maioria das pessoas torcia para que a mesma acabasse logo e evitava levantar alguma dúvida, contentando-se em seguir a opinião da maioria e evitando se envolver claramente em qualquer tipo de debate.
A falta de argumentos para defender pontos de vista, que na verdade nada mais eram do que a reprodução de pensamentos coletivos e estilizados, levava-os a, no mais das vezes, partirem para a ironia ou contestação de traços fortes de sua personalidade.
O homem não se importava em ser voto vencido e ver as coisas seguirem o rumo da acomodação.
O que o incomodava tampouco era ouvir argumentos contrários ao seu ponto de vista, afinal, o debate inteligente é uma ferramenta importante para aparar arestas e gerar um ponto de equilíbrio.
O que o incomodava realmente não eram, sequer, aqueles mais afoitos e intempestivos que de deixavam levar pelo destempero ocasional.
O que o incomodava eram os corvos humanos, sempre à espera de conquistar aplausos por o criticarem quando a maioria divergia de sua opinião.
Esse tipo de pessoa havia aos bandos na terra do silêncio. Mantinham-se sempre calados, sem ter o que dizer sobre nada até que lhes surgisse a oportunidade de ter seus cinco minutos de fama.
OS CORVOS
O corvo é uma ave da família Corvidae.
Os corvos têm ampla distribuição geográfica nas zonas temperadas de todos os continentes.
Vivem em bandos com estrutura hierárquica bem definida e formam, geralmente, casais monogâmicos.
Eles são predominantemente necrófagos embora sua dieta possa incluir invertebrados, pequenos mamíferos e aves, além de frutos e sementes.
São aves que apresentam comportamento complexo e que exibem sinais de inteligência, planejamento e comunicação entre indivíduos.
Na mitologia, os corvos são vistos geralmente como portadores de maus presságios, devido à sua plumagem negra e hábitos necrófagos.
Na terra do silêncio os corvos humanos também se organizam, estruturam sua hierarquia e não permitem que ameacem a sua pseudo-supremacia.
Seu modo de agir é sempre o mesmo, atacam em bandos para procurar atingir os seus objetivos e, geralmente, perseguem os que lhes parecem enfraquecidos.
Claro que só fazem isso quando percebem que lhes trará alguma vantagem ou notoriedade imediata.
Jamais o rei corvo confronta os seus desafetos frontalmente, sempre faz uso de algum porta-voz ou de comunicados à população.
Os corvos assim agem pois são incapazes de sustentar um confronto de argumentos e temem ser desmascarados.
Naquela cidade, como em tantas outras cidades, os corvos andam acompanhados de um séquito de admiradores conquistados pelos adornos brilhantes que ostentam.
Já houve um tempo naquela cidade em que os corvos acabaram por ser enxotados por muito tempo, mas, o tempo passou e as pessoas dali esqueceram do quanto eles eram perniciosos e passaram a tolerar a sua presença entre eles.
Os corvos, como seres organizados, foram chegando aos poucos, um de cada vez para não despertar suspeitas, alimentando-se de uma ou outra semente esquecida à beira do caminho e angariando uma ou outra simpatia através de sua eterna propensão de concordar com a maioria e dizer apenas aquilo que todos gostam de ouvir.
Raramente os corvos têm algo a dizerem por si mesmos. Geralmente lançam mãos de discursos antigos de outrem para poderem assumir a aparência de benfeitores ou interessados pelos problemas da humanidade.