MELISSA - O Interesse Leva à Pergunta
Já passou das cinco da tarde e a Professora Elaine não libera esse bando de estudantes de inglês da qual eu faço parte. Quando entrei nessa droga de curso, fui esclarecido de que as aulas seriam das duas às cinco da tarde, e não cinco e quinze.
A minha preocupação nem é com os quinze minutos a mais que a professora me faz perder aqui nessa sala, mas com a sala ao lado, em que o Professor Marcos é extraordinariamente pontual. Minha preocupação também não é com a pontualidade do Marcos, mas com a Melissa, a menina mais linda de todo o prédio do curso, que por sua vez, estuda na sala do Professor Marcos.
O problema é o seguinte: Melissa desce uns dois pontos de ônibus
antes do meu. Sempre que consigo, ou seja, que a minha professora coopera, consigo tomar a mesma condução que Melissa. Sento-me atrás dela e sigo minha viagem de uma hora e vinte minutos sentindo o perfume de seus cabelos negros e curtos, picotados na altura do pescoço, deixando à mostra uma singela tatuagem de uma estrela com a letra “P” no centro, bem no meio da nuca. Sigo pensando que aquele “P” poderia ser de Paulo, meu nome. Ela sabe quem eu sou, de vista, mas dificilmente saberia o meu nome. Nunca nos falamos. O nome dela eu sei porque todos os meninos do curso sabem, logicamente.
Todas as segundas, quartas e sextas, eu faço essa viagem na esperança de surgir, sei lá de onde, uma coragem para puxar um assunto com Melissa. Mas acho que seu perfume me deixa em outra dimensão durante o trajeto. Então me perco em tentativas que mal saem da garganta.
Seria uma boa idéia se eu perguntasse o significado daquela tatuagem. Ela não deixaria de responder. Afinal, para que mostrar uma tatuagem se aquilo não desperta a curiosidade ou interesse de outras pessoas? Ela a mostra para que a vejam; quem a vê acha interessante e quem se interessa pergunta! Isso! Isso que farei! Até porque essa tatuagem apareceu de umas duas semanas para cá, será uma boa forma de conhecê-la.
- Turma, bom fim de semana. Vão com Deus e estudem para a prova de segunda! – disse a “frase da liberdade”, a Professora Elaine.
Saio correndo entre os colegas sem ao menos lhes desejar um bom fim de semana. É que eu estava mais interessado no meu fim de semana. O que acontecer no ônibus hoje pode mudar tudo! Quem sabe um sábado de papo no portão da casa dela? Uma tarde de estudos no domingo, já que o Marcos também aplicará prova para a turma dela na segunda. Mas preciso correr, se não a perco de vista e ela tomará o ônibus antes que eu chegue ao ponto.
Consegui! Ela ainda está ali e o ônibus já aponta no horizonte. Tomamos a condução. Ela senta e eu sento atrás, como sempre. Respiro fundo e antes de fazer a pergunta sobre o significado de sua tatuagem, imagino milhões de possíveis respostas: “Não é da sua conta”. “É uma estrela e um P, só isso”. “É P de prostituta. Sou uma prostituta, você não sabia?” “Não é um P, é um D minúsculo de cabeça para baixo, garoto”.
Não, não. As respostas que imaginei são horríveis. Melhor não perguntar. (Pausa) Quer saber? Dane-se. Vou perguntar.
- Melissa!
- Oi – respondeu ao chamado e virou para trás num sorriso que me cativou de vez.
- Essa tatuagem que você tem na nuca. O que significa?
Perguntei e abaixei a cabeça esperando umas das respostas imaginadas segundos antes.
- Para começar, Paulo, por que você não se senta do meu lado? Fica melhor para conversarmos, não acha?
- Acho! Mas como sabe meu nome? – pergunto eu, totalmente abobalhado e feliz.
- Da mesma forma que você sabe o meu. Quem se interessa pergunta, ora.
Sento ao seu lado com as pernas em total dormência e aguardo a explicação da tatuagem, que a essa altura nem me interessa tanto, mas ela começa:
- Eu noto que você sai correndo pela rua para tomar o mesmo ônibus que eu. Noto que, de vez em quando, quase cola seu rosto na minha nuca. É o perfume, não é?
- É! – respondo sentindo imensa vergonha. Que pateta. O “P” deve ser de pateta.
- Pois é. Eu sempre o espero uns quinze minutos para que você consiga chegar até o ponto, sempre sento num banco com duas vagas para que se sente ao meu lado e tudo o que você faz em todos esses meses é sentar-se no banco de trás e sentir o meu perfume durante o trajeto. Então tive a idéia de fazer essa tatuagem de henna na altura de seus olhos para que o que está acontecendo agora enfim acontecesse. E vejo que funcionou. O “P” é de “pergunte”.
Sigo novamente minha viagem de uma hora de vinte minutos, só que desta vez, além do perfume, tenho o som da voz de Melissa e uma promessa de futuros grandes momentos.