A Origem da Felicidade
João era um legítimo mineiro, daqueles que carregam os hábitos típicos por onde passam. Com sua silenciosa sagacidade e uma infalível e discreta sabedoria, o interiorano resolveu viajar para o Rio de Janeiro, na tentativa de arrumar um emprego e mudar de vida.
De ônibus em ônibus, de carreta em carreta, foi levando sua “trouxinha” com o pouco que tinha e, quando necessário, trocava seus poucos bens pelo seu objetivo: chegar à cidade grande.
Durante seu longo percurso, sonhava em conhecer a infinidade do mar, com sua profundidade misteriosa que, às vezes, chegava a ser vaga e inimaginável. Ao mesmo tempo, sentia saudade da tranqüilidade previsível de suas origens e dos poucos e grandes amigos com quem dividia os frutos da colheita diária.
João chegou a trabalhar como engraxate, vendedor ambulante, entre outras funções. O tempo passou e, já transformado em um grande executivo de uma empresa reconhecida internacionalmente, fazia viagens pelo mundo inteiro, mas sentia-se inexplorado em seu próprio ser.
Onde ele poderia encontrar aquela felicidade que lhe faltava? Pensava nisso toda vez - e eram poucas vezes - em que tinha seu próprio tempo de ser, pois sentia que ainda não o era totalmente, e que teria deixado para trás parte preciosa de si mesmo.
Então resolveu tirar férias, situação rara. A princípio, não planejara nenhuma viagem nem programação de lazer definida. Porém, repentinamente, surgiu a idéia de retornar a algum lugar para o qual não ia há muito tempo. Pensou nos ares tranqüilos de Paris e Veneza e até no hiperativo ambiente de “New York”.
Descartou as possibilidades anteriores e, contrariando o que seus colegas mais próximos - que nunca foram tão distantes - acreditariam, resolveu visitar, quase que inconscientemente, sua terra natal. Aliás, nem ele tinha consciência concreta do motivo de sua viagem.
Chegou então, de helicóptero, em sua terra natal. Foi recebido com surpresa, porém mais um tipo de espanto que surpresa. Os cidadãos locais, alguns deles antigos amigos de colheita, nunca esperariam tal cena e nem reconheciam João. Afinal, ele havia sumido e nunca mais deu notícias.
A reação do povo local parecera uma cena de índios recebendo, espantados, um colono, ou seja, um intruso irreconhecível. O primeiro contato só ocorreu quando, ao descer do helicóptero, João disse, por acaso, um “uai”.
Ainda não reconhecido, se apresentou a algumas pessoas que nunca havia visto naquele lugar, dizendo que procurava uma pousada próxima. De repente, Chico, um antigo vizinho da época em que plantavam juntos, ainda sem reconhecê-lo, apareceu e disse:
- Você lembra o jeito de um antigo amigo meu!... Ele era meu melhor amigo, mas nunca mais tive notícia do sujeito desde que ele foi pro Rio tentar se arranjar na vida. Era o sonho dele, eu sei, mas sinto até hoje sua falta.
Enquanto o local e os acontecimentos lá presentes faziam com que lembranças surgissem na cabeça de João, livrando-o aos poucos da amnésia egoísta que suas ocupações gerariam em seu ser, havia percebido o que, inconscientemente, o levara até suas origens.
E então, emocionado, disse:
- Também senti tua falta, amigo! Sou eu! Ande, me dê um abraço!...
João abandonou o emprego com o qual tanto sonhara e, já re-familiarizado em sua terra, descobriu o quanto era feliz por lá e o quanto havia se precipitado ao pensar que, fugindo radicalmente de suas origens, para as quais já olhava com outros olhos, se sentiria feliz em outro mundo idealizado. Naquele momento, descobria que não podia fugir de si mesmo e que não se sentiria completo enquanto não voltasse a sê-lo. Descobria agora, também, que o bem mais precioso que poderia ter era seu próprio ser e que também só poderia perceber tal fato depois de ter vivido outra realidade.
Capítulo II
Porém, após longas horas de conversa, descobriu que as flores daquele campo, que antes eram rosadas ou avermelhadas, agora tinham uma aparência dura e triste. Não eram mais flores de paixão e de paz. Pareciam flores de morte.
Havia descoberto por seu velho amigo, que um grande empresário planejava expulsar a população local a qualquer custo, se utilizando de promessas e ameaças. Com o novo sistema, seria implantada uma fábrica que destruiria parte do meio ambiente local, desmatando os frutos da natureza que cercava seu povo. Além dos danos à natureza, a natureza do povo trabalhador também corria riscos de ser danificada, pois surgiu a sensação de aquela gente ser obrigada a ver tudo o que havia plantado e construído com as próprias mãos ser destruído pela ambição humana.
Um misto de culpa e revolta passava então a atordoar João. O ex-empresário decidira, naquele momento, defender seu povo com unhas, dentes e os conhecimentos que adquiriu durante sua vida, é claro.
Porém, qual seria sua estratégia? Não sabia por onde começar... Ao mesmo tempo, era cobrado como um Messias pelos velhos amigos e novos vizinhos, por já ter certa experiência com “aquele tipo de gente” que tentava tirá-los de sua terra.
Ao lembrar-se de seu passado e do longo caminho que levou até realizar o sonho de se tornar um executivo, viu nos olhos daquela gente o desespero conformado de alguém que morre na praia após um naufrágio.
Mesmo abatido, resolveu que pelo menos tentaria mudar a situação. Pediu ajuda a entidades públicas, políticos e ONGs, entre outros. Porém, “nada podiam fazer, já que era uma empresa muito importante e com grande poder aquisitivo”.
Através de promessas de melhoria na qualidade de vida da cidade, aos poucos a população local esquecia o medo de ter sua dignidade roubada. Naquele momento, a necessidade ia dando lugar a perigosos desejos. Assim como João fez no passado, grande parte da população pensava agora em mudar de vida.
Naquele momento, João via a Escola Municipal de sua cidade caindo aos pedaços, ao lado de obras faraônicas sendo construídas pelos “intrusos”. As fábricas iam destruindo as plantações... E o futuro daquela gente? Onde estaria a melhoria na qualidade de vida? Ele tentava ver algo de positivo na tentativa de se conformar... Porém, só conseguia pensar de forma crítica.
Com o tempo, João ficou mal visto e passou a ser chamado de maluco e “velho rabugento” pela nova geração da cidade, que crescia agora com mudanças sociais tentadoras, sem a noção de que poderia ser prejudicada por estas. Chico, velho companheiro de João, também ficava desconfiado com as novidades que aconteciam na cidade.
Enquanto isso, o discurso dos representantes da fábrica passava da ameaça ao convencimento. Eram apoiados agora pelo prefeito da cidade e por parte da população. Vendo tal situação, João disse a Chico:
- Precisamos tomar alguma atitude, amigo! Porque não reunimos pessoas que concordam conosco para tentar convencer os jovens dos males que essa fábrica pode causar à cidade?
Capítulo III
Depois de muito tempo tentando botar em prática alguma idéia para atrair os jovens às suas causas sociais e sem chegar a nenhum resultado, pois eles estavam maravilhados com a urbanização da cidade, Chico resolveu ir às ruas. Talvez protótipos de novas ruas, ainda sem asfalto.
Durante anos, longe de alcançarem o sucesso esperado, Chico e João tentaram até entrar na política e lutar contra as fábricas que iam se instalando de forma promíscua. Criaram, posteriormente, uma ONG para atender às novas necessidades da população, que agora enfrentavam vários problemas sociais, nas mesmas ruas que ainda careciam do asfalto prometido.
Com o tempo, a ONG obteve sucesso em seus atos de solidariedade e, através de projetos sociais, conseguiu levar educação e qualidade de vida para as pessoas que a freqüentavam.
Com o sucesso da ONG, que gerou associações de moradores presentes na política e na cidadania, condições mais dignas de vida e trabalho foram impostas pelo povo, através de reivindicações, greves e protestos. Assim, parte de seus direitos foi continuamente alcançada e as fábricas foram derrubadas, dando lugar às antigas colheitas, que aos poucos voltariam a dar bons frutos.