Cadernos do homem comum [2] - Isaac
O dia estava quente. O termômetro da rua marcava 37º graus. As pedras portuguesas concordavam, especialmente as pretas, queimavam-lhe as pernas. Ele levantou, suando. Estava no centro da cidade, cercado por prédios e poluição; tossia.
Desde cedo queria ir à praia, mas não tinha dinheiro. As pessoas pareciam mais mal-humoradas nos dias quentes, quase não davam esmolas. Os ônibus não lhe deixavam entrar. Ele até já suspeitava que eles não eram guiados por motoristas, mas por máquinas. Um ser humano não se importaria em fazer um pouco de caridade. É que eles têm medo de serem demitidos, um amigo seu dizia.
Ele andou novamente até o ponto, irritado. Era a sua última cartada. Depois de tentar, em vão, pedir para viajar de graça educadamente por mais de cinco vezes, decidira fazer o que os seus amigos diziam; forçaria a sua entrada.
Não demorou muito e um ônibus parou no ponto. Ele se apressou a entrar pela porta de trás. Tinha conseguido. Poderia finalmente se juntar a seus amigos na praia, poderia desfrutar um pouco daquele maldito dia ensolarado.
O ônibus, porém, não andava; as portas abertas. Um grito veio do banco do motorista: “ei, você, desce... agora”. Dois olhos lhe encaravam pelo espelho retrovisor. Ele baixou a cabeça, fingiu não escutar. O grito se repetiu, por três vezes. As pessoas à volta olhavam assustadas, algumas com medo, outras com superioridade. Isaac corou; sentia raiva e vergonha. Levantou-se vagarosamente e deu passos tímidos até a porta. Quando estava prestes a sair, sentiu o sol em seu rosto. Como era quente! O sangue ferveu. Uma súbita revolta, que até então lhe era desconhecida, aflorou. Ele saiu do ônibus correndo, pegou uma pedra portuguesa que estava solta na calçada e atirou contra o retrovisor, que se partiu em pedaços. Depois virou de costas e foi embora, sob exclamações furiosas e olhares de reprovação.
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O dia estava quente. O termômetro da rua marcava 37º graus. As pedras portuguesas concordavam, especialmente as pretas, queimavam-lhe as pernas. Ele levantou, suando. Estava no centro da cidade, cercado por prédios e poluição; tossia.
Desde cedo queria ir à praia, mas não tinha dinheiro. As pessoas pareciam mais mal-humoradas nos dias quentes, quase não davam esmolas. Os ônibus não lhe deixavam entrar. Ele até já suspeitava que eles não eram guiados por motoristas, mas por máquinas. Um ser humano não se importaria em fazer um pouco de caridade. É que eles têm medo de serem demitidos, um amigo seu dizia.
Ele andou novamente até o ponto, irritado. Era a sua última cartada. Depois de tentar, em vão, pedir para viajar de graça educadamente por mais de cinco vezes, decidira fazer o que os seus amigos diziam; forçaria a sua entrada.
Não demorou muito e um ônibus parou no ponto. Ele se apressou a entrar pela porta de trás. Tinha conseguido. Poderia finalmente se juntar a seus amigos na praia, poderia desfrutar um pouco daquele maldito dia ensolarado.
O ônibus, porém, não andava; as portas abertas. Um grito veio do banco do motorista: “ei, você, desce... agora”. Dois olhos lhe encaravam pelo espelho retrovisor. Ele baixou a cabeça, fingiu não escutar. O grito se repetiu, por três vezes. As pessoas à volta olhavam assustadas, algumas com medo, outras com superioridade. Isaac corou; sentia raiva e vergonha. Levantou-se vagarosamente e deu passos tímidos até a porta. Quando estava prestes a sair, sentiu o sol em seu rosto. Como era quente! O sangue ferveu. Uma súbita revolta, que até então lhe era desconhecida, aflorou. Ele saiu do ônibus correndo, pegou uma pedra portuguesa que estava solta na calçada e atirou contra o retrovisor, que se partiu em pedaços. Depois virou de costas e foi embora, sob exclamações furiosas e olhares de reprovação.
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