Um brasileiro (pequeno conto)
Era um brasileiro, como todos ao seu redor. Muitos filhos, pouca renda para sustentá-los... Então, cada um trabalhava “um pouquinho”, mas não tinham tempo para estudar, aliás, “isso é coisa de doutor”... Afinal, segundo ele, meio sem graça, “o sustento é imediato”.
Já contando com ajuda do governo, ou do prefeito, nem sabia direito, se viu em “uma dívida a pagar”: seu voto. Ele não se importava que fosse época de eleição e que a proposta do político era pagar, “nas coxas”, uma quantia simbólica para dizer que era digno do seu voto.
Com um peso indescritível por ele em sua consciência, refletiu e deixou derramar uma lágrima em meio ao seu suor. Aquele ato de sensibilidade foi logo contido, pois “o cabra que é homem não chora”. Lembrava então, repentinamente, que além de homem, era um robô e que, depois de tomar um café fora de hora, devia voltar para o trabalho.
Ele se escravizava e via seus filhos escravizados por um sistema injusto, mas dizia coisas como “a vida é assim mesmo”, tentando achar, no fundo da sua alma sofrida e desgastada de robô, uma solução consistente, talvez uma justificativa confortante, mesmo na incerteza de seus dias e seu futuro.