Inquietação na madrugada
Há que se notar a sua ausência, presença quase sempre constante na vastidão de minhas idas e vindas pelo mundo afora.
No entanto, sinto-a presente; em cada vão momento, em cada sílaba pronunciada, em todos os poros, pelos ares; e sinto medo.
Sim, eu temo estar sozinho – eu que sempre desejei a solidão – e, hoje, rezo uma prece aos santos e orixás que não me permitam uma velhice esquecida em um canto qualquer.
Então, ando a buscar apego. Vendendo-me a cada esquina por preço meramente simbólico. Estou me doando em troca de carinho, amor, afeto... uma palavra que me sirva de consolo e me leve daqui, nesta hora de total desespero.
Sinto-me pesado, mas não de uma gordura corporal de quem abusa da dieta, nem de uma obesidade mórbida de quem nunca na vida praticou algum esporte. O meu peso é a minha cruz e a carrego solitário, embora esteja em paz comigo mesmo quanto a isso. É que no momento, agora, sinto-me um fardo. Um fardo que não desejo conduzir.
Ah, Deus, a que ponto cheguei. Não consigo tolerar a convivência comigo mesmo e rogo por uma companhia. O dilema existencial de todo ser humano – o de não acreditar em si mesmo.
Então, acendo a luz do quarto. Olho para as roupas jogadas no chão, pelas tintas e pincéis à minha espera e pela obra: inacabada.
Levanto-me, é madrugada. O som que vem da rua consola-me um pouco. Um pesadelo. Sim, eu tive mais um daqueles. Ando até o banheiro, retiro mais um comprimido da caixa e engulo-o feliz. Dizem que é a pílula da felicidade. Pena que o efeito dure tão pouco.
Abro a janela, respiro o ar noturno. De algum local neste prédio vem uma melodia clássica. Chopin, talvez, não sei. Não sou muito bom nisso. Fico a escutar. O frio da madrugada congela-me lentamente, mas a música me anestesia.
Lembranças correm soltas agora...
O que será que fazem agora no Brasil?
Estou tão longe...
Um cão late, penso até ter ouvido uma coruja, qual o quê, uma coruja... Só mesmo eu para achar tal coisa em plena Nova Iorque. Mais ao longe, vejo o parque. É, bem que poderia ser mesmo uma coruja. As ruas quase vazias dormem seu tráfego sonolento. Eu só observo. E começo lentamente a sentir sono. Os luminosos me hipnotizam e fazem-me semi adormecer. A música cessa. Fecho a janela e volto para a cama. O silêncio invade minha alma. Penso novamente em você. Uma lágrima escorre pela face. É tão lindo sentir saudade! No Brasil, estaríamos, talvez, ainda juntos. A distância nos separa. E muito embora eu desejasse muito isso, descubro o quão vazio a vida pode se tornar sem alguém. Desligo o abajur, enrolo-me nas cobertas, ligo uma música bem baixinho e deixo que Jobim me embale com toda a sua insensatez...
Conto publicado no livro Viver: um jogo perigoso, de Márcio Martelli, Editora In House (2009)