Você é covarde?
– E aí, como foi o seu dia?
– Bom...
– E essa cara? Te conheço! Você está chateado com alguma coisa.
– Nada não.
– Desembucha!
– É que a tarde toda fiquei pensando numa coisa que me pegou.
– ah é?
– Fui almoçar naquele restaurante chinês que tem na Comendador, sabe?
– Sei.
– Fiz um prato enorme. Nossa, passei até vergonha. Só tinha mesa mais pra saída; sentei lá. Daí, estava na metade do prato quando parou perto da porta uma senhora, assim moradora de rua, mais um menino. Eles estavam sujos mesmo, sabe?
– Aham.
– Então, eles estavam pedindo para quem passsse na rua que pagasse um almoço para eles.
– E daí?
– Bom, eu continuei comendo minha montanha. Até que o menino, que até aquele momento estava de costas para mim, se virou e me olhou. Um sorrisinho no canto da boca. O cabelinho pro lado. Sua feição era tão singela que veio um nó na minha garganta. Antes que eu percebesse meus olhos estavam cheios de lágrimas. E aquele menino ali, paradinho, querendo se alimentar e eu nem podendo com aquele prato. E ele era tão bonitinho. Quietinho do lado da senhora.
– Nossa, que foda.
– Então, pensei em levantar. Chamar os dois pra dentro do china e pagar dois almoços. Ora, quanto eu perderia, vinte e cinco reais?!
– E daí?
– Nessa hora eu olhei para os lados. Havia mais pessoas observando os dois. Mas, pareciam mais curiosos com o destino terrível deles do preocupados em ajudar.
– E o que você fez?
– Nada.
– Nada?
– Nada. Me recolhi na minha covardia e não fiz nada. À tarde, pensava no corpinho do menino que, possivelmente, não tem os nutrientes que necessita para crescer. Relembrei daquele olhar perdido e de sua feição singela, daquele sorrisinho no canto da boca, querendo, somente, comer. Simplesmente me revoltei com minha ignorância e indiferença e aquele nó na garganta veio várias e várias vezes no dia. – Puxa, desculpe, não era pra você chorar.