PRISÕES...

Sempre desconfie do que é fácil demais...

Infelizmente, só dei valor ao conselho materno quando, num estouro, fechou-se a porta daquela estreita cela de arames atrás de mim: susto, pânico, medo, aperto, clausura, fobia, tensão, paredes, terror, desespero, choro,... Cessar do choro... Quietude... Aceitação... Depressão... Morte.

Os primeiros momentos são desesperadores, mas a calmaria, o nada que os acompanham é tão forte que te cala; por dentro e por fora.

A vida passou a uma eterna espera. Restava-me, assim, observar o mundo sempre sob o mesmo ângulo, dormir a mercê dos insetos e acordar sentindo o sol quente e revigorante, a brisa suave... Logo antes de tornar à lembrança as paredes que me limitavam. Odiava dias bonitos. Não suportava dias de sol. Abominava o canto dos outros pássaros. Sequer lágrimas havia para consolar-me...

Triste, abria as asas o pouco que as grades permitiam-me; sentia seu potencial, lembrava da força que desempenhavam, seu ímpeto, sua destreza ao sobrevoar ligeiras entre as árvores mais baixas. Bons tempos. Tempos de uma outra vida que não a minha...

Só o que resta é o tempo. Todo o tempo do mundo...

“Não sei mais viver nas ruas. Não daquela forma. O que me resta e o que me define agora são as grades que, provisórias, transformaram-se em eternas. Minha casa. A segurança de minha casa. Ali fora, não saberia mais ser o que sempre fui, e que não sou mais. Lá onde a água não surge de repente, onde a comida não é sempre presente.

Já não canto também. Muitas caras redondas admiravam-me a cantar, no início, quando a liberdade ainda era uma esperança, um sonho; desses sentimentos eu tirava a minha melodia... Depois de um tempo não mais. Acomodei-me com o cárcere, e o cárcere me calou. A partir de então ninguém mais me nota. Ninguém mais me vê...”

Tempo. Tempo igual. Corre depressa e a vida se vai...

A ideia de liberdade foi transformando-se, revertendo-se, e minhas grades tornaram-se, além de minha vida, minha única opção. Foi quando, novamente, fui enclausurado. Aparentemente, meu corpo velho e cansado já não valia o preço da prisão que me cercava. Fui solto. Ou melhor, fui preso. Preso na rua. Saí para que outro jovem cantador de melodias esperançosas, da sua terra e da sua gente, de seus amores espalhados pelo mundo que desde cedo aprendera a visitar sem limites, assumisse meu lugar. Fui atirado, então, cruelmente, naquele mundo que tanto desejara e tanto temera, despejado sem trégua pela idade, sem carinho pela intimidade, sem gratidão pelas canções suaves, as quais, de meu espírito, flutuaram tantas e tantas vezes. Quis voltar, não pense que não! Era só o que me restava! Quis voltar, mas me chutaram, me bateram com um jornal tal qual fariam com um inseto indesejável. E foi nisso que realmente me tornei: um inseto velho e chorão, de forças esgotadas pela solidão devoradora de tantos anos. Desaprendi a voar, percebi logo em seguida ao tentar um salto mais alto; as asas atrofiadas sequer abriram. Desaprendi a caçar, não soube sequer onde procurar o alimento que sustentasse a carcaça magra. Desaprendi a viver, e só a morte restou-me. Vi, do alto, meu corpo varrido para um canto, e atirado num saco junto com o lixo do dia... Voei, enfim.

Fecha-se um, entre tantos ciclos. E o tempo não para.

De meus carcereiros, sinto apenas piedade: se, um dia, voei alto e amei como jamais alguém amou, eles sempre viveram encarcerados: nunca aprenderam a abrir suas asas, e ainda vivem presos em seus cativeiros diários, roubando a essência daqueles que sabem cantar para sonhar com uma vida de liberdade e amor sincero...

Mas não superam o tempo.