outono da alforria
Por dezoito anos, das oito às cinco – com uma breve pausa de sessenta minutos para comer seu arroz e feijão, filé de frango grelhado e batatas fritas, estas últimas substituídas às quintas-feiras por creme de milho – ela viu suas manhãs e tardes passarem pela janela de alumínio em uma sala de 4 x 5. Redigindo relatórios, elaborando minutas, organizando pastas, revisando acordos, digitando atas, engolindo sapos, bebendo cafés, tragando cigarros dos quais nem gostava. Era a mesma de dois anos atrás, cinco anos atrás, dez anos atrás. Seus relacionamentos mais profundos limitaram-se à Clarissa, uma simpática moça que não suportou mais que um ano no escritório, e ao Dorival, o zelador que havia já se aposentado fazia alguns anos. Todo o resto, eram conversas jogadas fora no cantinho das bolachas e do café. Podia contar nos dedos das duas mãos as vezes em que havia ido ao cinema e ao parque – e não digo ou, digo e. Teatro então, uma única vez, em 1995, e mesmo assim porque foi praticamente coagida a ir por seus colegas de trabalho. Acordava religiosamente às 7h06. Nove minutos para tomar banho, dez minutos para tomar café, dois minutos para ver a previsão do tempo na TV, treze minutos para se trocar, três minutos até a estação do metrô, dezessete minutos até o destino. O tempo era marcado, o dinheiro era contado, todos os seus atos friamente calculados e meticulosamente planejados para saírem à perfeição. Atrasos eram intoleráveis, erros eram inadmissíveis. E assim, dezoito anos se passaram. O que aquele dia tinha de diferente? Eu não sei e tampouco sabe ela. Talvez o sorriso do estranho no vagão do metrô ou o sol notavelmente mais radiante naquela manhã de outono. O fato é que tudo era repentinamente diametralmente diferente. Acordou dois minutos mais tarde, comeu bombas de chocolate ao invés de pãezinhos integrais. Pegou outro caminho e – disparate dos disparates – ousou até assobiar enquanto descia a Prince Street. Entrou naquela colméia cinza de cubículos apertados e frios com persianas brancas e módulos beges sem um pingo de dúvida. Estava liberta. E então pôs-se a aproveitar a primeira manhã de outono dos últimos dezoito anos da sua vida, margeando calmamente o Central Park e admirando o cair das folhas vermelhas.