ASSIM É DEMAIS

Aconteceu em minha terra nos idos dos anos sessenta e muitos moradores ainda guardam na memória o episódio, inclusive eu. Acredito que o protagonista dessa história, cansado de tanto palpite de terceiros em sua vida, resolveu, ao construir uma nova casa, não aceitar pitacos de ninguém.

Creio que, analisando o inesperado comportamento dele, deve ter em sua longeva vida, tomado atitudes pra agradar os outros, ou por julgar que “quem vê de fora enxerga melhor” tendo-se arrependido muito de não ter seguido sua intuição ou desejos particulares, pois, cada um tem um gosto, é verdade.

Para consolidar seu plano, resolveu fazer uma placa em negrito, com letras garrafais, onde se lia “Não aceito palpites”.

Como era uma pessoa pública, bem quista no local, numa cidade de pequeno porte, várias pessoas passavam pela rua, olhavam a obra de longe, outros, de mais perto, alguns entravam para conferir, mas ninguém palpitava, limitando-se a elogiar o projeto. Realmente, a placa começou a dar resultado e a obra seguia a pleno vapor, uma vez que nada estava sendo modificado como de outras vezes.

Um dia ocorreu algo surpreendente: duas senhoras da sociedade, conhecidas por todos por uma característica nada simpática, como as mais fofoqueiras do lugar, resolveram dar o ar de sua graça.

Chegaram como quem não quer nada, olharam a placa de soslaio, mantiveram a pose como se nada diferente tivessem visto e adentraram a casa, em ponto de laje, com um ar curioso de quem entende de tudo, procurando defeitos. Mas, de qualquer maneira, deveriam segurar a onda, guardando os famigerados palpites para si mesmas.

Percorreram toda a obra, pararam em cada cômodo, seguidas pelo proprietário que não sabia como aquela inusitada visita iria terminar. Partiram para os elogios e, a muito custo, em nada opinaram, o que lhe causou estranheza que imaginou, inicialmente, que as mesmas não estariam dispostas a atender o seu pedido, ou, talvez, não tomaram conhecimento dele, apesar do tamanho do recado.

Depois de examinar os detalhes, já se despedindo, uma delas, ganhando a rua, virou-se para ele e disparou o seguinte:

- Essa placa não está muito visível , porque o Senhor não faz outra, com as letras em vermelho pra chamar mais atenção?

Mesmo tendo ficado roxo de raiva, nada respondeu e se limitou a observar as duas abelhudas atravessando a rua.