A Verdade Absoluta

A força da mente é algo extraordinário. Somos capazes de alcançarmos coisas absurdamente inimagináveis... A ciência, aliás, vem estudando e evoluindo a cada ano sobre a mente humana.

Hani, 19 anos, estudante. Perguntava a si mesmo, sempre: “nome árabe? – o que meu pai quis com isso?” Sabia apenas que seu nome significava alegre, feliz... Isso abafava a curiosidade. Realmente era alegre, e podia até considerar-se feliz.

Na escola não era detentor de nenhum brilhantismo intelectual. Aluno comum, esforçado, que sempre lutava para alcançar as notas necessárias, especialmente as que exigiam cálculos.

Namorava uma belíssima moça, Cássia, a quem tratava com desvelo. Educada numa família de classe média tinha predicados bem polidos e, claro, a admiração de Hani.

Hani tinha uma força que o incomodava muito. Apenas Cássia poderia saber dessa força. Seria um segredo mantido a sete chaves entre os dois.

Resolveu então que Cássia devia saber de tudo. E a partir do momento em que partilhasse com ela, certamente iria se sentir melhor. Foram ao parque no sábado pela manhã.

- Cássia, tenho algo para lhe mostrar. Você jura não contar a ninguém?

- Claro que eu juro, Hani. Mas por que tanto mistério?

- Possuo uma força descomunal. Força da mente, Cássia. Não entendo como isso apareceu. Sei que a tenho. E você ficará boquiaberta quando a vir...

- Estou ficando assustada com você, Hani. Afinal, o que é? Mostre-me logo.

- Calma, Cássia. Está vendo aquele carro estacionando logo à nossa frente?

- Sim estou. É um gol placa GPN 8744. E daí?

- Anote a placa para constatarmos depois. Vou mentalizar e garanto-lhe que esse carro não irá mais funcionar. Somente amanhã às 9:46 h, o proprietário conseguirá fazê-lo funcionar.

Hani silenciou-se por alguns minutos, com os olhos grudados no carro. Voltando-se em seguida para Cássia:

- Pronto. Não funcionará mais até amanhã no horário que lhe falei. Acionar oficinas especializadas, técnicos, mecânicos, curiosos, de nada resolverá. Não há nenhum defeito no veículo, posso lhe garantir, mas somente funcionará no horário preestabelecido: às 9:46, horário em que estaremos aqui para confirmação.

Passearam pelo parque descontraidamente por longo tempo. E vez ou outra Hani comentava: - Está vendo, Cássia, todos em volta e o veículo nada de funcionar. Abrem capô, fecham capô, dão a partida e nada...

Cássia, estupefata com o que presenciava e ouvia, pergunta a Hani:

- Hani, pelo amor de Deus, como você consegue fazer isso?

- Cássia, querida, eu não sei de onde veio isso... não sei... Por isso eu necessitava partilhar esse peso com alguém. Minha mãe não entenderia meu pai tampouco. Certamente me levariam a médicos e médicos... E tenho consciência que nenhum médico ou profissional de saúde poderá me ajudar.

Hani e Cássia às 9:15 h já estavam no parque. O veículo estava no mesmo lugar. Subitamente Cássia olha para Hani, em seguida para o relógio: 9:45 h, ambos em silêncio observam o proprietário do veículo levar a mão à chave, vira-a e o carro imediatamente funciona.

Cássia e Hani entreolham-se por longo período em silêncio fúnebre, quando Hani toma a iniciativa:

- Percebeu o que me atormenta, Cássia? Eu não queria ser assim...

- Percebi tudo, Hani. Confesso que estou muito assustada e acho que devia procurar ajuda. Deve existir alguma explicação. Uma forma de controlar...

- Cássia, entenda que eu não gostaria que além de você, outra pessoa soubesse desse infortúnio. E mostrei-lhe tudo isso por te amar e sentir que você é a única pessoa com a qual eu poderia contar. Eu não estava suportando mais.

Foram embora. No trajeto não conversaram muito. Cássia transparecia estar com muito medo. Mas medo do que, afinal? Hani parecia tão confiante em defender a sua tese.

- Hani, disse apreensiva: você se importaria em repetir toda aquela façanha do veículo no parque para que eu me convença?

- Cássia! Você está duvidando do que lhe mostrei e provei? Chega a chatear-me toda essa desconfiança que você demonstra. Não imaginava você tão céptica assim.

- Perdão, Hani. Se isso o incomoda, esqueça.

Durante a semana Cássia não pensou em outra coisa. Embora sentisse necessidade em partilhar com alguém, não podia. Tinha prometido em juramento a Hani que não o faria.

Na sexta-feira, Hani foi procurar Cássia. Saíram. Mas Cássia, ao contrário de antes, demonstrava-se muito diferente: calada, quieta. Hani inquieto com aquele clima, diz:

- Cássia, está vendo aquele carro prata, logo à sua frente, estacionando? É um veículo novo, funcionando perfeitamente. Observe a placa...

- Hani, por favor! Se estiver tentando me entreter e isso causar-lhe desgosto, prefiro que não o faça.

- Eu quero fazer mais uma vez, Cássia. Somente esta. Não quero mais isso. Como ainda é cedo e podemos ficar onde estamos, farei com que esse carro somente funcione daqui a 3:15 h. São 11:20 h agora, portanto, somente funcionará às 14:35 h, assim podemos almoçar juntos enquanto aguardamos.

- Tudo bem, Hani... tudo bem!

Daí a pouco, Hani com os olhos quase saltando da órbita, chama a atenção de Cássia, que entretida olhava os transeuntes na calçada.

- Você viu? – não funcionou como garanti a você!

Cássia desta vez, por estar centrada em outros pensamentos, não o respondeu. Apenas assentiu com a cabeça, olhando-o como se o analisasse por completo.

Cássia pediu a Hani que a levasse embora. Hani de forma impulsiva quebra o silêncio de Cássia:

- Está convencida, Cássia?

- Sim, Hani... (suspirando) estou!

Despediram-se. Cássia foi para o seu quarto. Hani ao invés de recolher-se preferiu dar umas voltas. Andar para espairecer. Sentiu que não devia ter confidenciado a Cássia aquela anormalidade que o incomodava tanto. Estava inseguro e arrependido. Mas por outro lado dividir aquele tormento com quem, além dela?

Cássia foi aos poucos se afastando de Hani. E desesperadamente Hani a procurava várias vezes no dia. Com isso, sentia-se ainda mais sozinho, angustiado. “Seria Cássia uma ilusão transvertida em amor ou apenas algoz de seus sentimentos?” – perguntava-se a si mesmo. Criou-se verdadeira confusão na sua cabeça: a mulher escolhida para dividir seus problemas não teve desenvoltura para lidar com a realidade... – estava perdido. Onde buscar amparo?

A tarde se aproximava. O sol lançava seus tímidos raios sobre a cobertura do refeitório e a lataria do veículo do chefe de cozinha que há anos era estacionado naquele mesmo lugar. No parque a luminosidade fazia brilhar a grama tão bem tratada, refletindo nos vidros do carro do jardineiro estacionado, aguardando o pôr-do-sol para conduzi-lo ao lar.

Trajando branco vem chegando, carregando numa das mãos a medicação, a outra livre para apalpar os galhos que impediam a passagem. Com voz afável e gestos meticulosos injeta a dose necessária.

- Tudo bem, Sr. Raimundo?

- Hani, por gentileza, dr. O senhor deve estar me confundindo com alguns amigos seus...

- O senhor por acaso viu a senhora Maria de Lourdes, Sr. Rai... Hani?

- Não conheço esta pessoa, dr.

- Desculpe. A senhorita Cássia.

- Não. Não a vi. E certamente não a verei durante muito tempo... A verdade, dr. é que resolvemos dar um tempo pra nós. Talvez eu não seja a pessoa certa para ela e nem ela pra mim.

FIM