Desejo de uma mãe

Minha história para muitos é velha, mas para mim sempre parecerá recente. Muitas pessoas passam pelo que passei, e ainda vivo, na maioria são mães e pais.

Tudo aconteceu há dezessete anos atrás.

Morávamos, eu, Josué, meu marido na época, e nosso primogênito Rafael; em uma cidade pacata do interior numa vida tranqüila. Era horário de verão e o Rafa saiu para brincar com alguns amigos. Disse a ele que não demorasse e estivesse em casa às seis e meia. Como qualquer criança naquela idade ele tentou argumentar. Vendo que nada me faria mudar de idéia, Rafa um tanto frustrado virou as costas e saiu. Já chegava ao portão quando eu, num impulso corri para abraçá-lo e dizer o quanto eu o amava. Ele me deu um sorriso torto e com um tchau foi com os amigos.

Rafa nunca foi um garoto de desobedecer a uma ordem e isso começava incomodar. O relógio marcava sete horas, e nada do Rafael aparecer. Uma voz interior estava me deixando inquieta. Essa inquietação trouxe um friozinho no estômago. E exatamente às vinte horas eu pude ter certeza que havia algo errado! Nada do Rafa chegar. Comecei ligando para os colegas que estiveram com ele durante a tarde. A preocupação transformou-se em pânico quando eles me disseram que exatamente às seis horas haviam se despedido do meu filho no quarteirão de casa. Josué começou a ligar para os dois hospitais da cidade, sendo informado que nenhuma criança com as características e roupas do meu filho dera entrada no hospital. Fomos à polícia. Ficamos surpresos quando nos disseram que nada poderiam fazer antes de vinte quatro horas. Vendo meu estado, o policial de plantão abriu uma exceção, pediu para os demais fazerem uma varredura no local que o menino estivera naquele dia. Fiz questão de ir junto. Nada encontramos.

Aquela noite foi a mais longa de toda minha vida. Sem que eu percebesse, chegaram às vinte quatro horas do desaparecimento do meu filho, e não havia nenhum indício do que pudera ter acontecido. Algumas pessoas simplesmente não se importam com o sofrimento dos outros e davam pistas falsas que nunca nos levaram a lugar algum. Um dia se passou depois meses que se transformaram em anos, e não existe nada que cure ou amenize sua ausência.

Você meu filho era meu cristal! Muito tempo se passou, mas uma coisa não mudou... continuo tentando juntar “os cacos” desse cristal que se quebrou. E por mais que eu procure não consigo juntar os pedaços.

Josué não agüentou. Abandonou-me, disse que eu estava enlouquecendo por viver no passado e se permanecesse junto a mim poderia também ficar insano. Pessoalmente acho que ele tentou fugir, se esconder da verdade. Talvez um dia ele venha entender, ou já saiba que é duro perder um filho, nunca se recupera da dor do vazio. Que haverá sempre uma grande lacuna em nossas vidas.

Minha existência depois de sua partida abrupta é como uma estrada, onde de longe se olha e não se vê o fim. A cada dia tento enxergar uma luz na escuridão, mas nada me consola. Estou cansada de lutar sozinha, tentar encontrar uma justificativa. Nesses momentos a solidão me apavora, sinto tanto medo... E apenas Deus me consola e me conforta. Muitas vezes me revoltei contra Ele, questionando-o e querendo obter respostas, mas como um bom pai que Ele é, nunca me recriminou, pois entende a minha dor e permanece junto á mim o tempo todo.

De tudo o que aconteceu hoje, posso dizer honestamente: a justiça é injusta, lenta e cega. Vive um sistema inoperante, cujas leis, artigos e parágrafos não foram feitos para encontrar e punir quem ousou te tirar de mim!

Em uma angustia cortante, choro lágrimas de sangue. Não quero vingança, não guardo raiva nem rancor, meu coração não tem espaço para isso. Tudo o que desejo é ter meu filho de volta. Não importo em que estado. Só quero dar a ele o direito de ser enterrado com dignidade e que eu possa enfim chorar pela sua morte, e saberei onde encontrá-lo quando o procurar. Lanço-me a ter esperanças, é a única coisa que me resta. Lamento não por um filho morto ou vivo, mais por um filho desaparecido. Frio e simples assim.

Hoje é um dia especial, seria um dia de beijos e abraços, é seu aniversário. Completa vinte e nove anos. Que presente te darei hoje, filho amado? Comprei flores, mas onde entregá-las? Seu antigo quarto permanece no mesmo lugar, como se esperasse você voltar de uma longa viagem. Todos os anos compro uma lembrancinha nesta data, imaginando o que gostaria de ganhar. Sinto mais uma vez meus olhos queimarem, e agora uma água cristalina desce banhando meu rosto. Peço perdão meu querido... Mas permita que eu chore, porque ninguém mais o fará, apenas eu... sua mãe.

Abril-2009

Alexandra Dias
Enviado por Alexandra Dias em 18/06/2009
Código do texto: T1655385
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